A última pá de cal na Lava Jato

A decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato teve o efeito colateral (momentâneo) de sobrepor o debate político à grita contra o genocídio oficial diante da pandemia.

Com a escalada de críticas de Gilmar Mendes, desqualificando seu trabalho como relator, Fachin deve ter pressentido o inevitável enterro da Lava Jato. Ou seja, a pá de cal definitiva, pois a primeira foi lançada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao desidratar e desmontar as forças-tarefas.

Isolado, como ficou evidente nas recentes entrevistas à Folha, Fachin resolveu se antecipar ao ex-presidente do STF e tentar preservar o ex-juiz Sergio Moro e parte da operação.

Fachin decidiu tirar “o doce da boca de Gilmar”, dizia uma procuradora nesta segunda-feira (8). “Tirou o tapete e o holofote do Gilmar”, comentou um juiz.

Ambos previam que Gilmar iria se insurgir e “tratorar” Fachin já nesta terça-feira.

Porteira aberta

A nomeação de Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello –um substituto sabidamente contra a Lava Jato– tornou inócuo esperar outra decisão da Segunda Turma do STF que não fosse detonar Moro e a chamada “República de Curitiba”.

Um juiz federal definiu o ato de Fachin como a “abertura da porteira”. Ele antevê algumas dificuldades imediatas. Se o juiz é incompetente, como ficam as buscas e apreensões, delações homologadas etc.?

Como o ministro decidiu anular os atos decisórios –ou seja, da denúncia para a frente não vale nada– ele prevê que a defesa vai entrar com outros habeas corpus, sustentando que a incompetência do juiz é desde a instauração das investigações, anulando buscas, escutas, homologações de colaborações etc.

Sem falar nas ações de indenização pela prisão de Lula, pelos danos eleitorais.

Segundo ele, talvez a decisão de Fachin enfraqueça ainda mais as possíveis (e remotas) ideias de Moro concorrer às eleições em 2022. Pode restabelecer a dicotomia esquerda e direita, enfraquecendo alguma candidatura “de centro”. A conferir.

A candidatura de Lula em 2022 volta a ser uma hipótese. Se a decisão de Fachin for mantida, legitima um mote de forte apelo popular: o ex-presidente foi preso com base em provas anuladas.

Oposição interna

O Blog pediu a avaliação do procurador da República Celso Três, antigo crítico no Ministério Público Federal da força tarefa de Curitiba –o que é atribuído a ressentimentos, por não ter sido convidado a compor a equipe.

Diz ele:

“A validade das decisões de Moro anteriores à denúncia é controversa; primeiro, não é apenas a competência territorial; lembro que o STF decidiu pela competência da Justiça Eleitoral em casos vinculados às eleições.

Além disso, também claro que Curitiba investigou pessoas com foro privilegiado; mesmo que, por si só, Lula não tivesse vínculo com as eleições e foro especial, seus atos têm conexão com pessoas que têm cargos e prerrogativas.

A competência territorial não anula quando a parte não alega; porém, no caso, desde o início (quebras de sigilo, condução coercitiva…) a defesa de Lula arguiu o vício do juízo“.

Ele não vê obstáculos operacionais na transferência do caso para a Justiça Federal do Distrito Federal. “Não vejo problema, até porque a instrução está feita; mesmo que anulem algumas quebras de sigilo de Moro, elas poderão ser reproduzidas sem grande dificuldade”.

Celso Três foi duas vezes colocado à parte no MPF.

Ele atuou no caso Banestado, mega lavagem de dinheiro nos anos 1990 julgada por Moro, uma espécie de laboratório para a Lava Jato. Três criticou a força-tarefa por “violar os limites da ação penal e promover uma ‘avalanche justiceira’, o que “criou condições que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro”.

Ele condenou a divulgação de delações premiadas e criticou, em documento, as “10 Medidas Contra a Corrupção”, defendidas por Moro e pelos procuradores de Curitiba.

Em novembro de 2020, Três foi designado por Aras para comandar a Operação Greenfield, criada em Brasília para apurar desvios em bancos e fundos de pensão. A operação estava sem titular. Três foi o único a se oferecer para a empreitada, depois que o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes se afastou, por falta de apoio de Aras.

Três diz que deixou a Greenfield depois que o Conselho Superior do Ministério Público lançou nota pública apontando ilegalidade de sua designação. E diz que sofreu linchamento quando adversários de Aras divulgaram que ele “não queria trabalhar”.