Gilmar Mendes e defesa de Lula omitem fatos em acusação a Sergio Moro

No julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá (SP), nesta terça-feira (9), o ministro Gilmar Mendes fez relato incompleto e impreciso sobre habeas corpus do doleiro Rubens Catenacci, que acusara o então juiz federal de parcialidade. Na véspera, o ministro Edson Fachin anulara as condenações do ex-presidente Lula (PT) na Operação Lava Jato.

Em 2008, foi impetrado no STF o Habeas Corpus 95.518 pela defesa de Catenacci, condenado no caso Banestado a nove anos de prisão por remeter ilegalmente meio bilhão de reais ao exterior.

Ao reabrir um caso que engavetou por dois anos, Gilmar não revelou no voto-vista que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já haviam arquivado as acusações contra Moro com base nas denúncias de Catenacci.

O julgamento do habeas corpus do doleiro, de relatoria de Gilmar Mendes, foi mencionado pela defesa de Lula como precedente da Segunda Turma.

A tentativa frustrada do doleiro do Banestado também foi usada em outras ocasiões por defensores de Lula omitindo-se o desfecho do caso.

Em 2018, deputados petistas ofereceram reclamação contra Moro no CNJ fazendo menção parcial ao habeas corpus de Catenacci. [veja abaixo]

Impressões e inovações

Em 2013, por maioria, vencido o ministro Celso de Mello –que votou pela anulação do processo–, a Segunda Turma do STF rejeitou a alegação de suspeição de Moro.

Gilmar acompanhou, em voto-vista, o relator Eros Grau (aposentado), que rejeitara as alegações de nulidade. Mas o ministro disse ter ficado “impressionado” com os vários incidentes, e “repetidos decretos de prisão”, mesmo admitindo que “todos os decretos de prisão estão fundamentados”. [grifo nosso]

Gilmar Mendes e Celso de Mello consideraram “fatos gravíssimos” o monitoramento de advogados pelo juiz, que autorizara a obtenção de informações de voos dos defensores de Catenacci. Já Teori Zavascki disse que o monitoramento de advogados não foi para obter provas, mas “para tornar exequível uma ordem de prisão”. Moro havia decretado mais de uma vez a prisão do doleiro, que ameaçara de morte outro réu.

Conforme registrou o STF, “embora tenha reconhecido que as decisões do juiz no curso do processo tenham sido bem fundamentadas, o ministro Gilmar considerou que o magistrado teve condutas ‘censuráveis e até mesmo desastradas’, mas afirmou que não se pode confundir excessos com parcialidade”. [grifos nossos]

Segundo foi registrado, Moro teria ordenado diversas prisões cautelares mesmo após sucessivas concessões de ordens de Habeas Corpus pelo TRF-4.

A Turma acompanhou por unanimidade a recomendação de Gilmar, que inovou, tendo determinado que o CNJ e o TRF-4 apurassem se Moro havia cometido falta disciplinar. A iniciativa foi tomada no início da Operação Lava Jato.

Esses fatos foram assim resumidos no voto-vista do ministro nesta terça-feira:

Infelizmente, a experiência acumulada durante todos esses anos nos mostra que os órgãos de controle da atuação da magistratura nacional falharam em conter os primeiros arroubos de abusos do magistrado.

Após o julgamento desta Segunda Turma em 2013 que ordenou a instauração de procedimento disciplinar à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região e ao CNJ, não houve nenhuma punição ao ex-juiz“.

Desdobramentos omitidos

No dia 1º de dezembro de 2014, o desembargador Celso Kipper, então vice-corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, arquivou o procedimento preliminar. Kipper registrou que os mesmos fatos já haviam sido examinados em 2007 pela corregedoria do TRF-4, que determinara o arquivamento, decisão mantida pelo CNJ.

Os fatos são rigorosamente os mesmos”, afirmou Kipper. O corregedor considerou “absolutamente relevante” registrar que nem mesmo o julgamento do habeas corpus junto ao STF, “com toda a série de considerações vertida nos debates, trouxe qualquer elemento novo”. [grifos nossos]

“Quer-me parecer que o Pretório Excelso partiu do pressuposto de que tais acontecimentos não haviam sido analisados no âmbito desta Corregedoria Regional, o que não corresponde à realidade”, afirmou. [grifos nossos]

Kipper deferiu pedido formulado pelo editor deste Blog e determinou o fornecimento de cópia da decisão de arquivamento, até então sob sigilo.

Quanto às apurações no Conselho Nacional de Justiça, eis o que, informa Felipe Bächtold na Folha, nesta quarta-feira (10): “No CNJ, o procedimento sobre eventual infração disciplinar também foi arquivado. A então corregedora Nancy Andrighi escreveu em 2014 que não havia fatos novos em relação ao que já tinha sido apurado na Justiça Federal.”

Em julho de 2018, os deputados federais petistas Wadih Damous (RJ), Paulo Pimenta (RS) e Paulo Teixeira (SP) ofereceram reclamação contra o então juiz Sergio Moro citando o processo já arquivado pelo TRF-4 e pelo CNJ.

Na introdução do pedido, os parlamentares afirmam que, antes mesmo do início da Operação Lava Jato, Moro “já era conhecido dos tribunais superiores como desafeto ao direito de defesa”.

A reclamação foi justificada pelos parlamentares “em razão do clarividente e deliberado descumprimento de decisão judicial”, ou seja, a liminar concedida pelo juiz federal Rogério Favreto, determinando a soltura do ex-presidente Lula, posteriormente suspensa pelo TRF-4.

Em julho de 2019, este editor publicou reportagem revelando que, durante dois anos, ficaram sem julgamento no CNJ recursos que poderiam ter afastado Moro da Lava Jato.

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