OCDE acende luz vermelha para o Brasil pelo retrocesso no combate à corrupção

O artigo a seguir é de autoria de Roberto Livianu,  procurador de Justiça, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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Dezesseis anos após o final da Segunda Guerra, fruto do avanço do processo de multilateralização, em 30 de setembro de 1961 foi fundada a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), sediada em Paris e integrada por 37 países com significativa importância geopolítica. Lá os países compartilham experiências e buscam soluções para problemas comuns.

No nosso mundo globalizado, tais organismos possuem papeis cada vez mais decisivos. Tanto que em 17 de dezembro de 1997 foi celebrada convenção internacional considerada de importância capital para o enfrentamento da corrupção e toda criminalidade do colarinho branco. O Brasil é subscritor.

Não obstante a relevância da FCPA de 1977, legado do escândalo de Watergate, como marco histórico referente ao ‘compliance’ no plano internacional, a convenção de 1997 da OCDE é apontada como o verdadeiro ‘turning point’ em matéria de compromisso internacional anticorrupção, visto que até então países como a França admitiam o abatimento da propina como despesa operacional, com previsão no Código Tributário.

A OCDE adquiriu importância estratégica cada vez mais vital, tendo em vista que, entre outros poderes, a liberação de financiamentos internacionais depende em grande medida de seu aval, que leva em conta diversos indicadores, inclusive a capacidade do Estado no enfrentamento da corrupção sistêmica. Os fatores econômico e de ordem política internacional nos permitem compreender as razões da decisão presidencial de priorização do ingresso do Brasil como integrante da OCDE, como tem declarado reiteradamente o Itamaraty.

Entretanto, paralelamente às declarações de intenção de fazer parte do organismo, o Brasil vem dando causa, na percepção da OCDE, a gravíssimos retrocessos no que pertine ao combate sistemático à corrupção, o que levou, na data de hoje ao anúncio da formação inédita de um grupo permanente de monitoramento do tema no Brasil pela OCDE https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56406033

Isto jamais havia ocorrido antes, em toda a história da organização, quer no que diz respeito aos países-membros, quer em relação aos postulantes. A decisão é fruto de trabalho iniciado em 2019, com a emissão de alertas reiterados ao governo brasileiro em relação ao desmonte da capacidade investigativa de práticas corruptas. Recebemos delegação do organismo em novembro daquele ano. Mas os alertas da OCDE foram totalmente desconsiderados.

Evidencia-se, por parte da organização, grande grau de perplexidade em decorrência do encerramento abrupto e desarrazoado das atividades da Lava Jato, migrando-se para novo modelo funcional com evidente perda de produtividade e eficiência no enfrentamento à corrupção dos altos escalões, sem profissionais dedicados exclusivamente aos casos mais complexos.

Além da Lei 13869/19 (nova lei de abuso de autoridade), por cercear a independência judicial e de membros do MP, além das barreiras em relação ao compartilhamento de informações recebidas pelas unidades de inteligência financeira (UIF antigo COAF), essencial para o enfrentamento desta espécie de criminalidade.

Após longo e exaustivo trabalho investigativo pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, recentemente o STJ, por 4×1 (uma das turmas), anulou decisões judiciais contra filho do presidente da República processado por corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes sob o fundamento de que a decisão autorizativa da quebra de sigilo possuía apenas cinco linhas, não obstante a falta de previsão no ordenamento jurídico acerca da extensão mínima da fundamentação de uma decisão judicial.

A cruzada contra a transparência da presidência da República obrigou o Brasil a criar um inédito consórcio de veículos de mídia para garantir acesso à informação para a sociedade após o apagão de dados sobre a pandemia, sem esquecer da MP 924, derrubada no STF em caráter liminar por ferir a Constituição. E da MP 966, que blindou agentes públicos por atos de corrupção praticados durante a pandemia.

A prisão após condenação em segunda instância, por outro lado, é o padrão de todos os países ocidentais democráticos assim como a inexistência de foro privilegiado. À exceção do Brasil, onde se pretende enfraquecer significativamente a lei de lavagem de dinheiro, nas discussões travadas em comissão instituída pela Câmara, com maioria expressiva de integrantes de advogados de acusados deste delito.

Discute-se também na Câmara o afrouxamento brutal da principal lei de combate à corrupção de agentes públicos –a lei de improbidade administrativa, que pode transformá-la em verdadeira lei da impunidade, legalizando o nepotismo, as “carteiradas”, desvios de vacinas entre outras violações, além de estabelecer prazo único para conclusão das investigações do MP, mesmo que sejam altamente complexas. Sem falar da prescrição retroativa, inexistente em país nenhum do planeta.

A decisão da OCDE, que havia sido tomada em dezembro e agora torna-se pública, acende luz vermelha para o Brasil. Os retrocessos em matéria de combate à corrupção de responsabilidade da presidência somados aos tramados no Congresso poderão custar caro para nós. Não só em matéria de impunidade, mas com a negação da admissão do Brasil na OCDE por não fazermos a lição de casa no combate à corrupção. Isso significaria prejuízo de bilhões de dólares, no momento agudo e vulnerável do pós-pandemia. Com a palavra, o Congresso Nacional.