‘Nossa indiferença levou desgoverno Bolsonaro a apostar contra a vida’

Sob o título “Por todos que morreram“, o artigo a seguir é de autoria de Carlos Fernando dos Santos Lima, advogado especialista em compliance e ex-procurador da República.

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Sim, tenho medo de morrer de Covid. Por que não teria? Sou como todos mortais, tenho filhos e uma neta, que gostaria de ver crescer. Tenho planos a serem atingidos, livros para ler e alegrias para viver, como cada um ao meu lado nessa jornada pelo inexplicável da vida. Não gostaria de dar à minha mãe, já octogenária, a tristeza de enterrar um filho.

Não quero que ninguém diga a meu respeito: “cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua alma” (Chicó sobre a morte de João Grilo, Auto da Compadecida, Ariano Suassuna).

Na verdade, deixamos que todo esse ano de mortes que poderiam ser evitadas, de mães chorando por seus filhos e de filhos chorando por seus pais nos embrutecesse.

Continuamos durante muito tempo fazendo compras, vendo TV e levando nossas vidas como se o mal não nos pudesse alcançar. Entretanto, de repente, descobrimos que a peste ronda cada vez mais perto nossas casas.

Percebemos, tarde para tantos que se foram, que nossa indiferença levou o desgoverno Bolsonaro a apostar contra a vida humana, obrigando-nos agora a temer que amanhã fiquemos em um canto qualquer de um posto de saúde, lutando desesperadamente pela próxima golfada de ar, sem leitos, sem ventiladores, sem medicamentos para intubação e sem oxigênio. (*)

Acreditemos ou não, a morte ronda cada brasileiro, passivo espectador de políticos despreparados, de corruptos consagrados e de juristas de encomenda.

Talvez a pandemia seja o novo dilúvio, que veio para nos fazer pagar por nossa apatia.

Mas também tenho medo que tudo isso signifique nada daqui há algum tempo. Como todos, quero sobreviver para poder sair livremente, encontrar com amigos, voltar a celebrar minha família em almoços aos sábados na casa de minha mãe.

Mas não podemos esquecer que o descaso, a indiferença, o jogo político rasteiro, o negacionismo científico, e a corrupção mataram tantos brasileiros. Qualquer um de nós, qualquer um que estiver lendo este artigo agora, pode não estar vivo em uma semana, e não por desígnios de Deus, mas por simplesmente não termos acesso à única solução possível.

Sem vacina não há vida, não há trabalho, não há normalidade, mas apenas medo, solidão e penúria.

Essas quase trezentas mil almas que se foram, e as outras tantas que ainda irão, merecem ser lembradas não só por suas famílias, mas em cada livro de história como um exemplo de tudo o que não poderia ter acontecido e aconteceu.

Um governo liderado por uma pessoa destrutiva, inconsequente, irresponsável e ignorante, secundado por um Congresso Nacional completamente dominado por uma maioria desqualificada, que está ali para “fazer negócio” com o dinheiro público, está fazendo deste ano de 2021 a repetição do ano anterior.

Podíamos ter vacinas, leitos, oxigênio e medicamentos para intubação, mas corremos o risco de sofrermos a ordália de sermos entubados conscientes, de vermos mais um ano perdido, de termos fome, filhos sem pais, famílias desestruturadas, uma economia em frangalhos ou que choremos ou sejamos pranteados à beira de uma sepultura.

O que posso dizer mais? Parabéns Jair Bolsonaro! Junte-se aos de sua espécie na galeria da história. Não sei qual dos círculos do inferno lhe está reservado, se o da violência, da fraude ou da traição, mas como da morte não temos explicação, espero que pague em vida por todos que morreram e não precisavam ter morrido.

(*) Texto alterado em 25 de março às 13h32. Na versão anterior foi publicado “entubação”, por erro de revisão, com base no dicionário Houaiss. Originalmente, o autor escrevera corretamente “intubação”.