Internado por dependência química, juiz da carteirada consegue adiar processo

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) prorrogou, a pedido da defesa, um processo disciplinar contra o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, que, em julho de 2020, tentou intimidar um guarda civil municipal em Santos (SP).

Seus advogados sustentaram no requerimento que o magistrado encontra-se internado em clínica psiquiátrica particular para tratamento de dependência química.

Siqueira ficou conhecido ao ser filmado ofendendo o guarda municipal Cícero Hilário, que o multara por não usar máscara anti-Covid 19 na orla da praia.

O processo adiado foi instaurado em novembro último. (*)

O desembargador foi acusado de ter ameaçado –em setembro de 2015—uma policial militar que atendia o serviço de emergência da corporação. A gravação foi revelada na época pela TV Record.

Sobre a internação na clínica, o relator do processo, desembargador Alex Zilenovski, proferiu despacho no último dia 26 de março. Registrou que “o contrato trazido [aos autos] encontra-se assinado tão somente pelo responsável pelo seu pagamento e representa prova apenas do negócio jurídico avençado, não se prestando a demonstrar o seu estado de saúde”.

Havia notícia nos autos de que o magistrado teria permanecido internado até o dia 20 de março.

Zilenovski determinou que a defesa notifique a previsão de permanência do desembargador na clínica, com “informações pormenorizadas e atualizadas de  seu quadro clínico”, mediante declaração firmada pelo médico encarregado do tratamento.

O despacho não especifica qual é a dependência química do magistrado. O Órgão Especial aprovou a prorrogação de prazo do Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Procurados pelo Blog, os defensores de Siqueira, advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti não quiseram se pronunciar em razão do sigilo profissional.

Mais de 40 acusações

Em julho de 2020, o TJ-SP enviou ofício à Corregedoria Nacional de Justiça, informando que há mais de 40 procedimentos contra Siqueira, “muito deles instaurados há mais de quinze anos, arquivados em meio físico”.

O desembargador sofreu uma advertência e quatro censuras.

No ano passado, a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti afirmou ao site Conjur que Siqueira é uma “figura desprezível”.

Ela já processou o colega por injúria e difamação. Quando estava no início da carreira, Siqueira depôs contra ela, tentando impedir que se tornasse juíza com direito a vitaliciedade.

“Ele tinha uma postura bastante desagradável no trato pessoal, e eu fui obrigada a ser firme desde o começo da minha relação com ele. Eu tive que processá-lo por difamação e injúria”, disse Pizzotti.

“Meu advogado foi o meu colega de faculdade Alberto Toron. O desembargador da época arquivou o processo sob a alegação de que uma testemunha não poderia incorrer nos crimes de injúria e difamação. Recorremos, mas o processo acabou em decadência.”

Suposto efeito de medicação

Na sessão administrativa do Órgão Especial em 25 de novembro de 2020, o advogado Marco Antônio Barone Rabello fez sustentação oral, representando o desembargador. Alegou prescrição da pretensão punitiva disciplinar e ausência de indícios de afronta à legislação.

Ressaltou que se tratava de fato da vida privada, ocorrido em 2015. Desde então, afirmou, o magistrado “continuou a exercer as atividades com presteza e competência, não havendo qualquer mácula na sua atuação funcional no período”.

“Embora realmente tenha se exaltado indevidamente com a policial militar, o fez na sua vida particular”, disse, na sustentação.

O advogado admitiu que, ao ligar para o Serviço de Emergência 190, temendo que seu filho tivesse sido vítima de algum crime, Siqueira “estava alterado, fazendo afirmações desconexas e sem sentido, provavelmente por efeito de medicação para depressão e ansiedade que tomara antes de dormir”.

Rabello afirmou acreditar que o Órgão Especial não compactuaria com a “verdadeira perseguição que mídia está promovendo contra o desembargador”.

Prepotência e arrogância

O presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, votou pela rejeição da defesa prévia e pela instauração do PAD por violação, em tese, de artigos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e do Código de Ética da Magistratura. A decisão foi unânime.

O presidente entendeu que nervosismo, depressão ou ansiedade não justificam a prepotência e desdém do magistrado. Pinheiro Franco afirmou que o desembargador Siqueira “se arvorou no direito de não só ofender e ameaçar os policiais, como determinou providências”.

Não foi aprovada a sugestão de enviar, como informação, esse caso ao CNJ, que avocara as investigações sobre o desembargador. Pinheiro Franco entendeu que se tratava de um fato autônomo, e que o processo deveria ser instaurado pelo tribunal. Foi acompanhado pelos pares.

Na avaliação do presidente, os policiais que atenderam o desembargador revelaram “postura impecável”.

CNJ afasta o cidadão

Em agosto de 2020, o CNJ instaurou, de ofício, ou seja, sem provocação externa, processo administrativo disciplinar e afastou provisoriamente o desembargador Eduardo Siqueira, ao julgar duas reclamações disciplinares e um pedido de providências.

O então corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, depois de assistir um dos vídeos, determinou que o TJ-SP encaminhasse ao CNJ o procedimento instaurado no tribunal estadual.

Nas informações que enviou ao CNJ, o advogado Marco Antônio Barone Rabello afirmou que os guardas municipais “envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão Eduardo, e nas abordagens anteriores, abusaram da autoridade” e  exigiram o cumprimento de obrigação “sem amparo legal”.

“O cidadão Eduardo passou a ser perseguido e ilegalmente filmado pela Guarda Municipal de Santos, e, no dia 18 de julho de 2020, acabou sendo vítima de armação, pois o guarda municipal que permaneceu na viatura sabia das abordagens anteriores, especialmente a última, quando, pela primeira vez, houve uma altercação”, afirmou Rabello.

(*) Processo 78.324/2020