CNJ julga recurso de desembargador afastado pelo TJ-SP por soltar traficante

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) poderá examinar, nesta terça-feira (20), recursos de dois magistrados afastados pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo): o desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima e o juiz Marcello Holland Neto.

Sousa Lima foi aposentado compulsoriamente em 2016, acusado de soltar Welinton Xavier dos Santos, o “Capuava”, considerado o maior traficante de drogas no Estado de São Paulo, preso com 1,6 tonelada de cocaína pura. Ele não era o juiz natural da causa.

No recurso, pretende a retomada de julgamento não concluído pelo CNJ, que já arquivou três pedidos de providência requeridos pelo magistrado.

Holland Neto foi colocado em disponibilidade em 1992, por suspeita de fraude eleitoral. Espera ver cumprida decisão do próprio CNJ, que determinou, em 2015, seu aproveitamento imediato pela corte paulista.

Desembargador soltou traficantes em plantões

O relator do processo de Sousa Lima é o conselheiro Mário Guerreiro. O relator antecessor, Márcio Schiefler Fontes, proferiu o seu voto mas o julgamento não foi concluído em razão do pedido de vista do então conselheiro Fernando Mattos. Agora, o colegiado deve apreciar o voto vista regimental de Candice Galvão Jobim.

Sousa Lima se insurge contra acórdãos do TJ-SP que resultaram na aplicação da penalidade de aposentadoria compulsória. Nesse caso, o TJ-SP aparentemente agiu sem morosidade.

O procedimento foi instaurado a partir de noticiário veiculado pelo “O Estado de S. Paulo”, em agosto de 2015. No dia 23 de setembro daquele ano, o Órgão Especial acompanhou por unanimidade o voto do então presidente, desembargador José Renato Nalini.

Nalini rebateu críticas internas pelo fato de a imprensa haver noticiado a abertura das investigações pelo tribunal:

“Não é de responsabilidade deste presidente a forma como a mídia, escrita, e falada, veiculou a situação a envolver Sua Excelência” [Sousa Lima].

“Foi apreendida cerca de uma tonelada e meia de ‘cocaína’ pura, exatos 1.623 kg! Não bastasse, exatos 898,95 kg de insumos, produtos químicos variados e destinados, precipuamente, para o preparo da substância maldita, ‘cocaína’! E não bastasse, dentre as armas de fogo de elevado potencial letal, fuzis que poderiam derrubar helicópteros!”

“Chegaram a esta Egrégia Presidência documentos variados e múltiplos, dando conta de que o mesmo desembargador, em plantões judiciários, mais uma vez por intermédio de decisões lacônicas e genéricas, soltou presos e o fez de modo a contrariar entendimentos seus”.

O processo administrativo disciplinar foi julgado um ano depois.

Ao votar pela aposentadoria compulsória, o desembargador Ferraz de Arruda (relator) disse que não é absoluta a regra da Lei Orgânica da Magistratura que impede a punição de juízes pelo teor de suas decisões.

De acordo com Arruda, o colega “forçou a barra” e demonstrou “predisposição” de ajudar os suspeitos ao assinar habeas corpus em plantões judiciários, vários dias depois das prisões, quando os processos já estavam nas mãos de outro relator. Mesmo se não agiu de forma intencionada, a conduta caracteriza negligência (conforme a Resolução 135/2011) e viola o dever de prudência fixado pelo Código de Ética da Magistratura.

Em setembro de 2015, o advogado Marcial Herculino de Hollanda Filho, defensor de Sousa Lima, alegou que o desembargador só soube de alguns fatos sobre “Capuava” por meio da imprensa, quando já tinha determinado a soltura do suspeito, que fugiu dias depois.

Decisão de 2015 ainda não cumprida

O relator do recurso do juiz Marcello Holland Neto é o conselheiro Rubens Canuto. Com apoio da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), o juiz –afastado da judicatura há 29 anos– pleiteia o restabelecimento de suas atividades e o restabelecimento dos vencimentos integrais. O TJ-SP quer que o magistrado demonstre que é capaz de reassumir. O juiz pede que seu retorno seja “de maneira gradual e adaptativa”, informa o CNJ.

O TJ-SP afastou o magistrado de suas funções porque o Tribunal Regional Eleitoral de SP instaurou procedimento para apurar “supostas condutas lesivas” praticadas pelo juiz, que teria permitido a alteração na apuração de votos na eleição para a Câmara Municipal de Guarulhos em 1988. (*)

Segundo os autos, em 17 de junho de 1992, o Órgão Especial do TJ-SP entendeu que estariam comprovados os seguintes fatos: a) a coparticipação do juiz Marcello Holland Neto em fraude eleitoral; b) o recebimento indevido de um relógio valioso presenteado por um partido e entregue por um candidato às eleições, beneficiado comprovadamente nas apurações  e c) o recebimento indevido de auxílio moradia pago pela prefeitura.

A Anamages entendeu que o longo afastamento de Holland “talvez seja a maior pena administrativa já cumprida neste país”.

“Nem mesmo na ditadura tivemos fato semelhante”, segundo afirmou à época o presidente da entidade, juiz de direito Magid Nauef Láuar.

O retorno de Holland à atividade judicante foi decidido em “julgamento monocrático” do conselheiro Emmanuel Campelo.

O Plenário Virtual do CNJ aprovou o seguinte enunciado:

“Após 2 (dois) anos da aplicação da pena de disponibilidade, ocorrendo pedido de aproveitamento, o Tribunal deverá apontar motivo plausível, de ordem moral ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena, capaz de justificar a permanência do magistrado em disponibilidade, mediante procedimento administrativo próprio, oportunizando-se o contraditório”.

O advogado Daniel Calazans, que representa o magistrado, afirmou na época ao boletim da entidade que iria “adotar as medidas cabíveis para os efeitos da decisão, assim como ressarcimento dos valores e promoções na carreira do magistrado”.

Pelo menos três tentativas anteriores de retorno do juiz ao TJ-SP haviam sido frustradas.

Em 1994, o TJ-SP indeferiu o pedido de aproveitamento, porque havia sido formulado prematuramente. Novo pedido formulado muito tempo depois –em 2003– foi indeferido:

“O retorno do requerente ao exercício da atividade jurisdicional não atende ao interesse público’, uma vez que ‘os fatos que deram lastro à imposição da pena revestem-se de intensa gravidade (…), a desaconselhar o reaproveitamento colimado. Revelam, na realidade, um quadro incompatível com a judicatura’“, decidiu o TJ-SP.

O juiz protocolou pedido ao CNJ, que não apreciou o caso, porque –segundo o então relator do Processo de Controle Administrativo– o órgão tem competência apenas para o controle de atos administrativos dos tribunais.

O juiz impetrou mandado de segurança no STF –tendo como órgão coator o CNJ– sustentando a “impossibilidade de manutenção de pena perpétua, situação decorrente, na prática, da negativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em acolher pedido de reaproveitamento do impetrante”. (**)

Em dezembro de 2013, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de liminar. Ela entendeu que “eventual acolhimento desses pedidos implicaria reforma não da decisão do CNJ, que nada dispôs a respeito, mas sim da decisão (aparentemente proferida há dez anos) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.

A relatora registrou que o juiz teve negado –dez anos antes– o pedido de reaproveitamento pela via administrativa no TJ-SP: “Tal pedido foi negado e não se tem notícia nos autos acerca de irresignação veiculada perante o próprio Tribunal de Justiça, que seria a instância competente para esse exame“, afirmou Rosa Weber em sua decisão.

——————————-

(*) Data corrigida em 27/4

(**) MS 32.521