Ministros do STJ evitam recebimento de denúncia contra presidente do TRE-MG
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) adiou nesta quinta-feira (22) o julgamento sobre o recebimento ou rejeição de denúncia contra o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, desembargador Alexandre Victor de Carvalho, acusado de corrupção passiva.
O ministro Luís Felipe Salomão pediu vista dos autos depois de mais de três horas de debates sobre questões preliminares [que tratam do desenvolvimento regular do processo, analisadas antes da resolução do mérito da causa].
A sessão presidida pelo ministro Humberto Martins foi marcada por tentativas de alguns membros da Corte de impedir que o relator, ministro Herman Benjamin, proferisse o seu voto e apresentasse aos pares as provas coletadas.
Ou seja, o objetivo aparente foi evitar o recebimento da denúncia.
O advogado de Carvalho, ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, levantou questão de ordem, alegando que o tribunal deveria julgar um agravo [recurso] que discutia a competência do ministro Herman Benjamin para permanecer como relator da ação penal.
Antes da intervenção do advogado, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo pediu o recebimento da denúncia e, se recebida, o afastamento de Carvalho.
Segundo Araújo, a denúncia está amparada em provas sem vícios. São conversas captadas por interceptação autorizada pelo STJ, revelando troca de favores, vantagens indevidas para familiares do desembargador, em reciprocidade pelo apoio à nomeação da advogada Alice Birchal para o cargo de desembargadora do TJ-MG.
O relator leu trechos de conversas interceptadas. Benjamin pediu que fossem apresentados na tela diálogos entre Alexandre Victor de Carvalho e o advogado Vinício Kalid Antonio.
Aragão tentou interromper a reprodução da gravação, sob a alegação de que ela estaria sob sigilo. Benjamin não permitiu, pois já havia retirado o sigilo. O advogado havia pedido anteriormente a nulidade das interceptações telefônicas.
Com a transmissão durante a sessão, o relator colocou em xeque o argumento, apresentado pela defesa, de que a gravação resultara de encontro fortuito, nas interceptações autorizadas, de uma “conversa entre amigos, falando de amenidades”.
Os diálogos exibidos na sessão não mostram assuntos para passar o tempo. Confirmam a promiscuidade entre o advogado e o desembargador ao tratar da escolha de um membro do tribunal.
Salário da sogra e ‘rachadinha’
Como a Folha revelou, em reportagem de Fabio Fabrini, interceptações telefônicas da Polícia Federal revelaram que Carvalho “propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de ‘rachadinha’ para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra”.
Aragão havia alegado que a investigação que deu origem à ação tinha outro objetivo: apurar “um suposto esquema de venda de decisões por desembargadores do TJ-MG” interessados no processo de falência de uma empresa.
Segundo o advogado, os fatos que tratam da mulher e do filho do desembargador teriam surgido “de maneira fortuita” nas interceptações, numa conversa entre um advogado [Kalid Antonio] e Alexandre Victor.
Segundo Aragão revelou ao Blog no ano passado, a denúncia acusa Alexandre Victor de ter solicitado e recebido vantagem indevida em favor de sua mulher e de seu filho, em troca da candidatura da advogada Alice de Souza Birchal ao cargo de desembargadora pelo Quinto Constitucional, o que seria de interesse do então governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Opositores de Pimentel atribuíram a nomeação da advogada, em 2015, ao fato de ela ser mulher do professor de Direito Luiz Moreira Gomes Júnior, amigo do ex-deputado federal José Genoino (PT-SP) e de lideranças petistas. Segundo essa interpretação, Luiz Moreira poderia atuar como interlocutor do partido junto ao Ministério Público Federal nas investigações contra o governador mineiro
A vantagem indevida seria a nomeação da mulher do desembargador Carvalho para um cargo no gabinete da presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e de seu filho para a vaga antes ocupada por ela. Seriam, ainda segundo Aragão, “indícios totalmente circunstanciais e não portadores de qualquer ilicitude”.
Investigações concluídas
Eugênio Aragão sustentou nesta quinta-feira que as preliminares deveriam ser julgadas antes do voto do relator, pois tratariam de questão prejudicial à defesa.
Herman Benjamin contestou. Lembrou que quando a questão foi levantada pela defesa as investigações já estavam concluídas. Disse que a defesa pediu, várias vezes, que o recebimento da denúncia fosse retirado de pauta.
O ministro João Otávio de Noronha insistiu que a Corte deveria decidir –antes do voto de Herman Benjamin– se o relator deveria prosseguir presidindo a ação penal. “A questão preliminar precede todo julgamento, é a lógica do processo”, disse Noronha.
“Estamos perdendo tempo, deixemos o relator falar”, disse o ministro Francisco Falcão. Mauro Campbell contestou: “Não acho que perdemos tempo. Pode haver prejuízo, sim [à defesa]”.
O relator alertou para a hipótese de o tribunal abrir um precedente: “Nós nunca tivemos essa situação na Corte Especial, o adiantamento de preliminares”.
Herman Benjamin mencionou que o próprio desembargador havia sido investigado anteriormente, por suspeita de advocacia administrativa e prevaricação, e que ele reconhecera a prescrição.
Sustentou que havia conexão entre os episódios e que a competência do relator havia sido firmada. O relator rejeitou as preliminares de competência. Foi acompanhado pelo ministro Og Fernandes.
Em seguida, Salomão pediu vista, afirmando que desejaria cotejar os fatos com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. “Preciso refletir um pouco mais para votar com mais segurança”, disse.
Depois do pedido de vista, as ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura anteciparam seus votos. Afirmaram que estudaram o processo no feriado [dia 21 de abril].
Andrighi citou precedentes do STJ e do Supremo. Lembrou que o regimento interno do STJ “prevê, de forma clara, que a distribuição de qualquer pedido relacionado a diligência anterior à denúncia, entre eles a interceptação de comunicação telefônica, previne a competência do relator para a ação penal”.
Disse que o efetivo prejuízo à defesa deve ser arguido em momento oportuno. Como o denunciado alegou de forma genérica e hipoteticamente a suposta incompetência do relator, entendeu que “não há motivo para acolhimento da preliminar”.
Maria Thereza também acompanhou o relator. “Para mim, a alegação de encontro fortuito, daí a suposta incompetência do relator, não se sustenta”. Ela disse que o denunciado foi investigado, fatos foram apurados. “Não vejo aqui essa alegação genérica de que tenha havido um encontro fortuito”, concluiu.
Denunciado influente
A ação penal foi retirada da pauta em junho de 2020, às vésperas da posse de Alexandre Victor de Carvalho na presidência do TRE-MG. O adiamento evitou o risco de Carvalho assumir o comando do segundo maior colégio eleitoral do país na condição de réu, se a denúncia fosse recebida.
Em despacho de 26 de fevereiro último, o relator registrou que o caso estava pronto para julgamento há quase um ano, quando foi incluído pela primeira vez na pauta de julgamentos da Corte Especial.
Agora, com o pedido de vista, o prosseguimento do julgamento dependerá do ministro Salomão.
Como este Blog registrou, essa ação penal gerou grande expectativa por três motivos: a) o investigado esteve no centro de episódios muito suspeitos no tribunal mineiro; b) a denúncia trata de fatos relacionados a figuras que estão em evidência; c) o acusado mantém aliados influentes no Judiciário.
Carvalho foi juiz auxiliar no Conselho Nacional de Justiça. Participou de inspeções em tribunais quando João Otávio de Noronha foi corregedor nacional de Justiça.
É filho do desembargador aposentado Orlando Adão de Carvalho, ex-presidente do TJ-MG.
Antes de se aposentar, Orlando Adão transferiu, de seu gabinete para o do filho desembargador, a advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais, que atuou como assessora judiciária de 2005 a 2008. Há indícios de que a advogada receberia seus proventos sem trabalhar.
Pelo acordo familiar, a jovem deveria receber sem ir ao tribunal. Ela foi acusada de extorquir o ex-presidente Orlando Adão. O filho, suspeito de “rachar” parte do salário dela, foi absolvido. A defesa alegou que houve uma “permuta informal”.
Alexandre Victor de Carvalho foi defendido pelo então advogado e hoje ministro do STF Alexandre de Moraes (conselheiro do CNJ em sua primeira composição, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça).
(*) AÇÃO PENAL Nº 957/MG (2014/0240346-5)