MPF cometeu erros na denúncia contra Joesley Batista e Fernando Pimentel
O MPF (Ministério Público Federal) cometeu erros técnicos considerados graves na denúncia contra Joesley Batista, dirigente do grupo empresarial J&F e JBS; Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais, e outros suspeitos. Pimentel foi acusado da prática do crime de corrupção passiva; Joesley, de corrupção ativa.
Os equívocos do MPF são mencionados na sentença em que o juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa, da 11ª Vara Criminal de Minas Gerais, rejeitou integralmente a denúncia, no último dia 20. Cabe recurso da decisão.
Joesley Batista não poderia ser denunciado, pois tem imunidade concedida na delação premiada, como prevê a Lei 12.850/13 [que define organização criminosa e os procedimentos da investigação].
O empresário comprovou que o acordo de colaboração premiada foi repactuado e homologado pelo Supremo Tribunal Federal [certidão de pé e objeto expedida pelo STF].
Ou seja, foi mantido o benefício da não imputação penal.
“Mensalinho mineiro”
Como este Blog informou em 2018, o inquérito foi instaurado para investigar um suposto “mensalinho” [nomenclatura adotada nos autos pelo MPF] que teria beneficiado, entre 2013 e 2014, a campanha eleitoral de Pimentel (PT) ao governo de Minas Gerais. (*)
Segundo a acusação, Pimentel teria solicitado vantagem indevida em um jantar na casa de Joesley Batista, em São Paulo, no dia 4 de junho de 2013.
O único indício apontado pelo MPF da presença de Pimentel nesse jantar é o depoimento do próprio Joesley Batista, na condição de delator. Não há testemunho de outros eventuais participantes do encontro e nem provas de sua realização (gravação, imagens, vídeos).
A peça acusatória não esclarece como a atuação de Pimentel teria beneficiado a JBS. Além da palavra do empresário, a denúncia se apoia em declarações do também colaborador Ricardo Saud, diretor do grupo JBS, arrolado como testemunha de acusação, e do depoimento de um funcionário da empresa.
Ou seja, o MPF ouviu somente o testemunho de colaboradores da JBS. Vários precedentes indicam que depoimento de colaboradores é relevante para o início de uma investigação, mas insuficiente para o recebimento de uma denúncia.
O magistrado salientou: “A ação penal não pode servir para preencher uma lacuna deixada pela investigação preliminar. Se a denúncia não conseguiu trazer elementos além do depoimento do colaborador, a ação penal não se presta a tal fim, ainda mais pelo fato de a denúncia só ter arrolado colaboradores como testemunhas”.
Outro lado
O Blog consultou a Procuradoria Geral da República sobre as deficiências da peça acusatória e recebeu do MPF em Minas Gerais a seguinte informação:
“Não é essa a realidade, junto com a denúncia foi protocolada uma petição solicitando que quanto a Joesley a denúncia não seja apreciada enquanto não definida a questão do acordo de delação premiada” — solicitação reproduzida a seguir:
“Entretanto, tendo em vista a pendência da homologação da rescisão da delação premiada pelo C. STF, o Parquet requer a suspensão da tramitação do feito, exclusivamente em relação a Joesley Batista, com fundamento no art. 4º, § 3º da Lei 12.850/2013. A suspensão faz-se necessária até a finalização do procedimento de homologação da rescisão, em curso na PET 7003/DF, evitando-se qualquer prejuízo ao referido procedimento e à presente persecução penal.”
Ao analisar esse pedido do MPF, o juiz Jorge Costa registrou, na sentença:
O MPF requereu a suspensão do feito em relação a Joesley Batista “sob o fundamento de que se aguardava a homologação do STF sobre o pedido formulado pela PGR de rescisão do seu acordo de colaboração premiada”.
“A situação é no mínimo inusitada. Ora, nem o próprio Órgão acusatório soube precisar acerca da validade ou não da colaboração firmada pelo denunciado Joesley Batista, o que torna inviável o recebimento da peça acusatória, até mesmo por ausência de condição de procedibilidade”.
Segundo o magistrado, o órgão acusador não pode denunciar com uma situação condicional.
Ocorre que a defesa de Joesley juntou aos autos certidão expedida pelo STF de que “o acordo de colaboração foi repactuado, tendo havido a manutenção dos benefícios acordados, dentre eles, o da não imputação penal, tendo sido julgado prejudicado o pedido de rescisão outrora formulado”.
O magistrado consignou na sentença que o “MPF – após ser intimado por duas oportunidades para se manifestar sobre a situação processual de Joesley Batista -, não se posicionou sobre os reflexos processuais da certidão de pé e objeto expedida pelo STF e apresentada pela defesa, devendo-se, assim, respeitar integralmente o que foi decidido pela Suprema Corte, que é a manutenção do benefício da não imputação penal”.
Ainda o juiz Jorge Costa:
“Inviável, diante de tamanha insegurança jurídica, acolher pedido de ‘suspensão’ somente em relação à Joesley Batista, prosseguindo-se na ação penal com relação aos demais”.
“Como não há prova da materialidade de que o jantar ocorreu e também não há de que Fernando Pimentel teria solicitado o pagamento ao escritório, naquela ocasião, para influenciar em benefício da empresa junto ao Governo Federal, quebra-se o nexo causal entre os valores recebidos e a suposta vantagem indevida”, decidiu o juiz, ao rejeitar integralmente a denúncia.
Apertada síntese
A investigação teve origem em declarações de Ricardo Saud no acordo de colaboração celebrado com o MPF, em 2017.
Segundo a acusação, teriam sido pagos R$ 5,5 milhões a título de vantagem indevida em troca da influência de Pimentel, então ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, junto à então presidente Dilma Rousseff e ao governo federal.
Ainda segundo a narrativa, os repasses foram feitos pela J&F Investimentos, mediante simulação de pagamentos por serviços do escritório de advocacia Andrade, Antunes e Henriques [emissão de notas fiscais frias].
Um dos sócios do escritório é o ex-deputado federal Gabriel Guimarães (PT), filho do ex-deputado federal Virgílio Guimarães, um dos ícones do PT mineiro.
Um funcionário do grupo JBS confirmou à autoridade policial ter recebido ordens para emitir notas mensais no valor de R$ 300 mil a serem pagas ao escritório de advocacia.
Em maio de 2018, Joesley Batista afirmou em novo depoimento à Polícia Federal que conhece o governador desde 2012, quando Pimentel assumiu o Ministério do Desenvolvimento.
Batista mencionou o jantar com Pimentel, quando teria sido acertado o “mensalinho”.
O caso começou no Superior Tribunal de Justiça. O então PGR, Rodrigo Janot, pediu a subida do inquérito para o Supremo em razão do envolvimento do deputado federal Gabriel Guimarães. Com o fim do foro privilegiado do deputado, o inquérito foi enviado para a Justiça Federal em Belo Horizonte, sede do escritório de advocacia.
Curiosidade: o “mensalinho mineiro” foi julgado pelo magistrado responsável pela primeira fase do “mensalão petista”, em Belo Horizonte, apuração que resultou na Ação Penal 470 no STF.
Em maio de 2017, a Folha informou que o governador publicou em sua página no Facebook que estava “sendo acusado mais uma vez de forma leviana e mentirosa”.
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(*) Inquérito 4642