MPF admite que denúncia não levaria à condenação de Joesley e Pimentel

O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, de Minas Gerais, admitiu –em manifestação do MPF nos autos– que não havia condições para o juiz Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa receber uma denúncia contra o empresário Joesley Batista, o ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e outros acusados.

Na última segunda-feira (26), o Blog revelou que o MPF cometeu erros técnicos considerados graves na denúncia em que Joesley foi acusado de corrupção ativa e Pimentel, de corrupção passiva.

Silva afirma que o MPF, “mesmo convicto do conteúdo da denúncia apresentada, vislumbra, agora, com o convencimento demonstrado na decisão quanto ao recebimento da peça acusatória, que a eventual condenação dos acusados por suas condutas ilícitas estaria inviabilizada, considerando o acervo probatório juntado aos autos e a jurisprudência recente, inclusive de nossos Tribunais Superiores, relativa ao combate aos crimes contra a administração pública brasileira”.

Como a reportagem registrou, Joesley Batista não poderia ser denunciado, pois tem imunidade concedida na delação premiada e comprovou que o acordo de colaboração foi repactuado e homologado pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, foi mantido o benefício da não imputação penal.

Com relação aos demais acusados, a denúncia também não foi recebida porque estava baseada apenas na palavra do delator Joesley Batista e em declarações de um diretor e um funcionário da JBS, arrolados como testemunhas de acusação.

A título de resumir a decisão do juiz, o procurador registra: “De fato, a nova delação em favor do acusado impede o recebimento da peça acusatória em seu desfavor”.

“Sustentou-se que as declarações prestadas pelos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, embora apontem a participação direta dos acusados no intento criminosos, não podem ser consideradas como prova, eis que não há nos autos outros elementos probatórios que corroborem suas assertivas”.

Segundo o membro do MPF, pela convicção do magistrado, “faltaria justa causa para o prosseguimento da persecução penal.”

Com base nas deficiências da denúncia, o juiz Jorge Costa rejeitou integralmente a peça acusatória: “A ação penal não pode servir para preencher uma lacuna deixada pela investigação preliminar. Se a denúncia não conseguiu trazer elementos além do depoimento do colaborador, a ação penal não se presta a tal fim, ainda mais pelo fato de a denúncia só ter arrolado colaboradores como testemunhas”.

Eis a íntegra da manifestação do MPF:

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O Ministério Público Federal, pelo Procurador da República subscrito, manifesta nos seguintes termos:

Trata-se de ação penal, em face de Fernando Damata Pimentel pela prática dos crimes dos arts. 317 e 299 do Código Penal e do art. 1º, caput, e §4º da Lei nº 9.613/1998, na forma do art. 69 do CP; de Joesley Mendonça Batista pela prática dos crimes dos arts. 333 e 299 do Código Penal e do art. 1º, caput, e §4º da Lei nº 9.613/1998, na forma do art. 69 do CP, e de Gabriel Guimarães de Andrade, Leandro Henriques Gonçalves e Rafael Antunes Frederico pela prática dos crimes dos arts. 299 e 317 do Código Penal e do art. 1º, caput, e §4º da Lei nº 9.613/1998, na forma dos arts. 29 e 69 do CP.

Fernando Pimentel ocupou as funções de Ministro de Estado, chefiando a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, entre janeiro de 2011 a fevereiro de 2014. Na sequência, foi eleito Governador do Estado de Minas Gerais, exercendo o mandato de 2015 a 2019. Em 2014, foi instaurada investigação em face do acusado (IPL1168/2014 SR/PF/DF), posteriormente batizada de Operação Acrônimo, visando aferir a notícia que ele receberia vantagens econômicas (direta ou indiretamente) pagas por corporações empresariais em troca da intermediação de seus interesses junto ao Governo Federal.

No curso daquele apuratório, constatou-se que Pimentel utilizava das prerrogativas de Ministro de Estado, e posteriormente, de Governador, como meio de “vender influência política” e receber, como contrapartida, “vantagens” de diversos empresários. A sua notória proximidade com a então Presidente da República Dilma Rousseff também era utilizada como “trunfo” nas intermediações de interesses de grupos empresariais que pagavam por seus “serviços”. Constatou-se, ainda, a utilização de pessoas interpostas (físicas e/ou jurídicas) para o recebimento dos valores indevidos, simulando-se, muitas vezes, a confecção de contratos de prestações de serviços (advocatícios) ideologicamente falsos para ocultar o verdadeiro destino dos pagamentos.

Paralelamente à Operação Acrônimo, em 2017, autuou-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal a Petição nº 7003, contendo declarações prestadas por Ricardo Saud, então diretor da J&F INVESTIMENTOS S/A, no âmbito de acordo de colaboração premiada celebrado com o Ministério Público Federal e devidamente homologado perante àquela Corte. Ele esclareceu que foram realizados repasses a ANDRADE, ANTUNES E HENRIQUES SOCIEDADE DE ADVOGADOS – ME (pertencentes aos acusados Gabriel Guimarães de Andrade, Leandro Henriques Gonçalves e Rafael Antunes Frederico) mediante a emissão de notas fictícias, destituídas de lastro, já que não houve nenhum tipo de prestação de serviços. No mesmo sentido, foram as declarações de Joesley Batista, então dirigente do grupo J&F, no âmbito de sua própria delação premiada.

As declarações de Ricardo Saud e Joesley Batista, no âmbito de suas delações, convergem exatamente para o contexto delituoso apurado no curso da Operação Acrônimo e apontam a dissimulação de atos jurídicos visando ocultar o repasse de vantagens econômicas ilícitas destinadas a “remunerar” a intermediação e/ou defesa de interesses de grupos empresariais perante o Governo Federal. Em outras palavras: empresários pagavam para se valer da “influência política” de Fernando Pimentel, seja como Ministro de Estado, seja como Governador.

Um desses empresários foi Joesley Batista, dirigente da J&F INVESTIMENTOS S/A, que entre junho/2013 e fevereiro/2015, valendo-se de contrato de prestação de serviços advocatícios fictício com a ANDRADE, ANTUNES E HENRIQUES SOCIEDADE DE ADVOGADOS, efetuou pagamentos em favor de Fernando Pimentel, por seu prestígio e influência junto ao Governo Federal.

O D. Juízo Federal rejeitou a peça acusatória.

Quanto a Joesley Batista, asseverou-se que o acusado repactuou o seu acordo de delação premiada, devidamente homologado perante do C. STF, mantendo-se os benefícios originalmente acordados, dentre eles, o da não imputação penal. De fato, a nova delação em favor do acusado impede o recebimento da peça acusatória em seu desfavor.

Já o não recebimento da denúncia, em face dos demais acusados, teve por fundamento a ausência de elementos probatórios suficientes para embasar a peça acusatória.

Sustentou-se que as declarações prestadas pelos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, embora apontem a participação direta dos acusados no intento criminosos, não podem ser consideradas como prova, eis que não há nos autos outros elementos probatórios que corroborem suas assertivas. Portanto, faltaria justa causa para o prosseguimento da persecução penal.

Com relação a essa questão, o Parquet, mesmo convicto do conteúdo da denúncia apresentada, vislumbra, agora, com o convencimento demonstrado na decisão quanto ao recebimento da peça acusatória [1], que a eventual condenação dos acusados por suas condutas ilícitas estaria inviabilizada, considerando o acervo probatório juntado aos autos e a jurisprudência recente, inclusive de nossos Tribunais Superiores, relativa ao combate aos crimes contra a administração pública brasileira.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2021.

CARLOS BRUNO FERREIRA DA SILVA

Procurador da República

Notas –   Sobre essa relação vide FERRER BELTRAN, J. Motivación y racionalidad de la prueba. Lima: Grijley, 2016, p. 203.

OBS. – Texto modificado às 20h20, com mudança de título e reprodução da íntegra da manifestação do MPF.