Denúncia contra presidente do TRE-MG envolveu gravações e novas apurações

A denúncia oferecida ao Superior Tribunal de Justiça contra o presidente do TRE-MG, desembargador Alexandre Victor de Carvalho, acusado de corrupção passiva, tem origem no compartilhamento de informações entre a Corregedoria Nacional de Justiça e o ministro Herman Benjamin, relator do inquérito, e em investigação recente sobre relações suspeitas entre advogados e magistrados.

No último dia 22 de abril, um pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão levou a Corte Especial do STJ a adiar o julgamento depois que Benjamin apresentou áudio com diálogos entre o desembargador Carvalho e o advogado Vinício Kalid Antônio.

A defesa do desembargador diz que o objetivo da transmissão dessas conversas “foi criar uma cortina de fumaça para desconsiderar os graves desvios cometidos na investigação” [veja abaixo].

A sessão presidida pelo ministro Humberto Martins foi marcada por tentativas de alguns membros da Corte de impedir que o relator proferisse o seu voto e apresentasse aos pares as provas coletadas.

Esses diálogos —conversas interceptadas pela Polícia Federal— foram revelados, em dezembro de 2019, pelos jornalistas Fábio Fabrini e Camila Mattoso, da Folha.

Eles informaram que a PF interceptou telefonemas em que Carvalho detalha como funcionaria um suposto esquema de favorecimento a escritórios de advocacia no TRE-MG.

Nos áudios, de 2015, ele diz que indicados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para compor o quadro de juízes do TRE fazem “parceria” com escritórios que os apoiaram e julgam processos de forma a beneficiá-los.

Em 16 de setembro de 2015, Carvalho contou a Kalid que recebeu um telefonema do então vice-presidente da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), Mateus de Moura Lima Gomes, pedindo ajuda em processo para o atual líder na Câmara e presidente nacional do Avante, Luís Tibé (MG).

Mateus é advogado atuante no TRE-MG.

“Ontem consegui um negócio, para você eu posso contar. O Tibé ia ser cassado. Ia ser cassado, e Mateus me ligou da Cemig”, contou o desembargador, no telefonema gravado.

Ele relatou que, na sequência, intercedeu perante o então presidente do TRE, desembargador Paulo César Dias, que deu voto favorável e decisivo ao congressista no julgamento do caso. “Fui no Paulo com esse trem todo, e o Tibé não foi cassado”, afirmou, acrescentando: “O Paulo deu o voto de minerva. O Paulo falou assim: ‘Dei o voto por você e para você'”, prosseguiu.

“Foi essa revelação de interferência direta em julgamento do TRE-MG que deu início à investigação”, disse Benjamin, na sessão do Órgão Especial.

A defesa de Alexandre Victor de Carvalho havia alegado que a investigação que deu origem ao inquérito tinha outro objetivo: apurar “um suposto esquema de venda de decisões por desembargadores do TJ-MG” interessados no processo de falência de uma empresa.

Durante o julgamento, o advogado de Carvalho, ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, levantou questão de ordem, alegando que o tribunal deveria julgar um agravo [recurso] que discutia a competência do ministro Herman Benjamin para permanecer como relator da ação penal.

Aragão tentou interromper a reprodução da gravação, sob a alegação de que ela estaria sob sigilo. Benjamin disse que já havia retirado o sigilo e prosseguiu a leitura do voto.

A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo pediu o recebimento da denúncia e, se recebida, o afastamento de Carvalho.

Segundo Araújo, a denúncia está amparada em provas sem vícios. São conversas captadas por interceptação autorizada pelo STJ, revelando troca de favores, vantagens indevidas para familiares do desembargador, em reciprocidade pelo apoio à nomeação da advogada Alice Birchal para o cargo de desembargadora do TJ-MG.

Procedimento disciplinar

Em fevereiro deste ano, o CNJ abriu procedimento contra desembargadores e juízes do TJ de Minas Gerais para apurar as suspeitas de nepotismo, funcionários fantasmas, inserção de conteúdo falso em documentos públicos e baixa produtividade.

O plenário aprovou relatório apresentado pela corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.

O CNJ informou que, “a partir de atividades de correição extraordinária nos gabinetes dos desembargadores Geraldo Domingos Coelho e Paulo César Dias, a corregedora propôs a abertura de reclamação disciplinar para apurar a conduta dos dois, além dos desembargadores José Geraldo Saldanha da Fonseca e Eduardo César Fortuna Grion e dos juízes Renan Chaves Carreira Machado e Octávio de Almeida Neves”.

Em nota, o TJ-MG afirmou na ocasião que todos os servidores mencionados são “concursados e exercem suas funções em gabinetes de desembargadores altamente produtivos”.

Por intermédio da assessoria de comunicação, o TJ-MG informou que “repudia veementemente a veiculação de noticiário em detrimento do princípio constitucional da presunção de inocência, eis que essa prática pode macular a imagem de pessoas honradas e que não cometeram qualquer ilegalidade, a fim de atingir instituições que garantem o Estado de Direito.”

OUTRO LADO

Advogado de desembargador vê ‘cortina de fumaça’

O advogado Eugênio Aragão, defensor de Alexandre Victor de Carvalho, afirma que o “o áudio retrata um diálogo entre amigos sobre as articulações para a eleição de lista tríplice para vaga de desembargador”.

“Sabemos perfeitamente como essas articulações são feitas. Não há novidade nenhuma nisso. Acontece em todos os tribunais, estaduais ou superiores. Quem não tiver culpa, que atire a primeira pedra. Tanto que é irrelevante a conversa, do ponto de vista criminal e disciplinar, que o CNJ arquivou representação sobre os mesmo fatos”, diz.

Ainda segundo Aragão, “o que se quis com a divulgação ilícita de uma gravação sob sigilo de justiça, numa sessão que não estava discutindo o mérito da denúncia, mas apenas a competência do relator, foi criar uma cortina de fumaça para desconsiderar os graves desvios cometidos na investigação”.

Em nota, o desembargador Paulo César Dias, ex-presidente do TRE-MG, nega ter tratado com o atual dirigente da corte eleitoral sobre processo envolvendo o deputado Luís Tibé.

“Não lembro de ter conversado com o desembargador Alexandre Victor a respeito de processo algum. Contudo, posso afirmar, que o meu voto foi de acordo com o meu convencimento, como sempre decidi em minha carreira de quase quatro décadas de magistratura, sendo um voto de desempate, cuja decisão foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos termos do voto que proferi”.

Em nota, a desembargadora Alice Birchal afirmou que “desconhecia os diálogos até serem publicados pela imprensa, pois deles nunca participei direta ou indiretamente”.

Consultado por intermédio da assessoria de seu gabinete em Brasília, o deputado Luís Tibé não se manifestou. Procurados, os advogados Vinicio Kalid Antônio e Mateus de Moura Lima Gomes também não quiseram comentar.