Quando ministros não querem julgar

O ministro Herman Benjamin, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), determinou o levantamento do sigilo de diálogos referidos no voto sobre o recebimento de denúncia contra o presidente do TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais), desembargador Alexandre Victor de Carvalho, acusado de corrupção passiva. (*)

Na sessão da Corte Especial no último dia 22 de abril, Benjamin –relator do inquérito– não conseguiu proferir integralmente o seu voto e apresentar aos pares as provas coletadas.

Na prática, estão disponíveis para os juízes da Corte, advogados das partes e envolvidos a íntegra do voto interrompido e a reprodução de diálogos interceptados com autorização judicial. A decisão –da mesma data– estende o levantamento do sigilo a outros diálogos “que se façam necessários”.

Cópias da decisão de Benjamin circulam entre advogados em Belo Horizonte.

Ela não alcança, contudo, novas investigações que são realizadas pela Corregedoria Nacional de Justiça no TJ-MG.

Publicidade é a regra

Para o recebimento de uma denúncia, a regra é que todas as informações sejam públicas. O recebimento ou rejeição de denúncia costuma ser um procedimento simples. Ao contrário do que ocorre no julgamento final, no recebimento da peça de acusação prevalece o princípio de que, na dúvida, a decisão deve ser em favor da sociedade [in dubio pro societate].

No caso da denúncia contra Alexandre Victor, como pode ser conferido no vídeo da sessão, vários ministros atuaram segundo o princípio que prevê o benefício da dúvida em favor do réu [in dubio pro reo].

Como este Blog registrou, o objetivo aparente foi evitar o recebimento da denúncia contra um magistrado influente.

Ex-juiz auxiliar no Conselho Nacional de Justiça, Alexandre Victor já foi defendido pelo então advogado e hoje ministro do STF Alexandre de Moraes (conselheiro do CNJ em sua primeira composição, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça).

Blindagem é a prática

O advogado de Carvalho, ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, levantou questão de ordem, alegando que o tribunal deveria julgar um agravo [recurso] que discutia a competência de Herman Benjamin para permanecer como relator da ação penal.

A proposta de colocar em votação se Benjamin deveria ou não prosseguir presidindo as investigações foi defendida com ênfase pelo ministro João Otávio de Noronha. O ministro não se julgou suspeito para participar daquela votação. O investigado, seu conterrâneo, foi convidado para atuar como juiz auxiliar quando Noronha foi corregedor nacional de Justiça.

Noronha manteve o perfil que anunciou em agosto de 2016, ao assumir aquele cargo: “talvez o principal papel da Corregedoria seja blindar os juízes”. O presidente do STJ, Humberto Martins, desempenhou na sessão o papel de conciliador. Quando foi corregedor nacional, definiu a correição como uma terapia.

O ministro Luís Felipe Salomão pediu vista dos autos depois de longos debates sobre questões preliminares [que tratam do desenvolvimento regular do processo, analisadas antes da resolução do mérito da causa].

Depois do pedido de vista de Salomão, as ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura anteciparam seus votos.

Andrighi citou precedentes do STJ e do Supremo. Lembrou que o regimento interno do STJ “prevê, de forma clara, que a distribuição de qualquer pedido relacionado a diligência anterior à denúncia, entre eles a interceptação de comunicação telefônica, previne a competência do relator para a ação penal”.

Disse que o efetivo prejuízo à defesa deve ser arguido em momento oportuno. Como o denunciado alegou de forma genérica e hipoteticamente a suposta incompetência do relator, ela entendeu que não havia “motivo para acolhimento da preliminar”.

Maria Thereza também acompanhou o relator, que colocara em xeque o  argumento apresentado pela defesa, de que a gravação resultara de encontro fortuito, nas interceptações autorizadas, de uma “conversa entre amigos, falando de amenidades”.

“Para mim, a alegação de encontro fortuito, daí a suposta incompetência do relator, não se sustenta”. Ela disse que o denunciado foi investigado, fatos foram apurados. “Não vejo aqui essa alegação genérica de que tenha havido um encontro fortuito”, concluiu.

Antes da intervenção de Aragão, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo pediu o recebimento da denúncia e, se recebida, o afastamento de Carvalho.

Segundo Araújo, a denúncia está amparada em provas sem vícios. São conversas captadas por interceptação autorizada pelo STJ, revelando troca de favores, vantagens indevidas para familiares do desembargador, em reciprocidade pelo apoio à nomeação da advogada Alice Birchal para o cargo de desembargadora do TJ-MG.

Morosidade não surpreende

O caso estava pronto para julgamento há quase um ano, quando foi incluído pela primeira vez na pauta de julgamentos da Corte Especial.

A ação penal foi retirada da pauta em junho de 2020, às vésperas da posse de Alexandre Victor na presidência do TRE-MG. O adiamento evitou o risco de Carvalho assumir o comando do segundo maior colégio eleitoral do país na condição de réu, se a denúncia fosse recebida.

Essa hipótese foi afastada novamente, um ano depois. E aguardará definição até a volta do caso à pauta, com o voto-vista de Salomão.

(*) AÇÃO PENAL Nº 957/MG (2014/0240346-5)