A impunidade está destruindo as instituições, diz ex-procurador
Sob o título “A impunidade é a principal ameaça à nossa democracia“, o artigo a seguir é de autoria de Carlos Fernando dos Santos Lima, advogado especialista em compliance e procurador da República aposentado.
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A impunidade está destruindo as instituições brasileiras, pois os poderes se agigantam nas mãos de maus políticos, altos magistrados, e agora até mesmo generais. O que se vê é a impunidade sistemática de quem detém poder, enquanto os demais, assalariados e desempregados, pobres e classe média, barnabés e empreendedores, lutam para sustentar essas elites sanguessugas.
Nenhum país pode funcionar dessa maneira, e essa desigualdade inclusive formal, acabará por esgarçar o tecido social levando a situações paradoxais em que a ruptura constitucional será iminente. Ninguém imaginava que a polarização chegaria a esse ponto, pois acreditávamos que as instituições eram maiores que os poderosos, mas isso não é mais verdade.
A não punição do general Pazuello, uma nulidade como ministro da saúde, é apenas um capítulo a mais dessa história. Todo o espectro político-ideológico é culpado por essa impunidade sistêmica no país, seja por seus políticos de estimação ou por defender a decisão judicial que lhes interessa, por mais ilegal que seja.
Se a corrupção e o abuso do poder são maneiras de se governar, não vivemos em um estado democrático de direito, mas em uma farsa que chamamos de república e democracia.
Pazuello deveria ter sido punido severamente, pois não só violou claramente o Regulamento Disciplinar do Exército, que proíbe militares da ativa de se manifestar a respeito de assuntos político-partidários, mas também por ser general de três estrelas, demonstrado completa desconsideração pela hierarquia e disciplina militar, fundamentos da instituição a que serve.
Sua impunidade é um passo a mais no desejo do sindicalista Jair Bolsonaro de transformar as Forças Armadas no seu equivalente bolivariano.
Certamente políticos de oposição ao presidente irão se manifestar contra essa submissão do Exército àquele que expulsou de suas fileiras. Já vejo Renan Calheiros, o multi-investigado e nunca condenado senador, a epítome da desonra, fazer seus protestos contra o ocorrido. Isto é o exemplo claro da política brasileira, em que o roto fala do maltrapilho, em que hipócritas tentam se capitalizar às custas dos adversários perante uma multidão de fanáticos.
Que moral tem o Congresso Nacional em falar de impunidade quando ele é o maior foco desse fenômeno? Quais são os parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção que enfrentaram os conselhos de ética daquelas casas legislativas? Quais as medidas contra a corrupção e o crime do colarinho branco o Congresso editou nos últimos anos?
A verdade, bem sabida por todos, é que nossa política é dominada pelo pior de nossa sociedade, que impede inclusive a ascensão e atuação política de pessoas bem-intencionadas.
O próprio Supremo Tribunal Federal também se desmoraliza com a atuação de alguns de seus magistrados, arautos da injustiça, que votam contra a lei em causas em que têm interesse pessoal ou contra quem são declarados inimigos, ou que impedem a prisão de poderosos, como no caso da prisão após condenação de segunda instância ou com o inacreditável “desrecebimento” da denúncia de Arthur Lira, atual presidente da Câmara dos Deputados.
Enquanto isso, eu e você temos que declarar nosso imposto de renda, somos obrigados a pagar tributos escorchantes em cada bem ou serviço que adquirimos e ainda ficarmos presos sem vacina e com medo da morte, quietos para que esses poderosos possam manter suas práticas contra a lei, pois esta não vale para eles. E é bom que permaneçamos quietos, pois os poucos que ousam se rebelar contra essa impunidade, esses sim, são punidos.
Não podemos mais viver sob a regra de que para nós vale a lei, mas para eles apenas seus desejos viciosos. Lula deveria estar na cadeia; Bolsonaro impichado; Renan Calheiros, Arthur Lira e tantos outros condenados e Pazuello colocado na reserva.
Só assim, punindo todos igualmente na medida de seus erros, podemos voltar a acreditar que vale a pena ser honesto, pois, de outra maneira, desanimaremos da virtude, riremos da honra e teremos vergonha de ser honesto, e aí, adeus democracia.