Tribunal de Justiça não reintegrará juiz afastado há 29 anos por fraude eleitoral
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negou o pedido de reintegração do juiz Marcello Holland Neto, que se encontra em disponibilidade há 29 anos. Ele foi afastado do cargo em 1992 sob acusação de fraude eleitoral e corrupção passiva.
Por unanimidade, o Órgão Especial decidiu, no último dia 2, que o juiz demonstra “conhecimento jurídico insuficiente para retomar atividade jurisdicional”. E que seu reaproveitamento seria um “risco para os jurisdicionados e para o Poder Judiciário”.
O tribunal cumpriu decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) depois de longo enfrentamento com o órgão de controle do Judiciário. O juiz chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal, sem sucesso.
“Se Rui Barbosa estivesse no lugar do juiz Marcello seria também reprovado”, afirmou Magid Nauef Lauar, presidente da Anamages (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais). A entidade patrocinou a defesa de Holland. Ele disse que a reprovação do juiz “havia sido determinada há muito pelo TJ-SP”.
Lauar disse que o CNJ decidiu há quatro anos que o TJ-SP deveria restabelecer a jurisdição de Holland. “Ele nunca foi ‘excluído’. Foi suspenso do exercício jurisdicional pelo prazo de dois anos com proventos proporcionais. Ele já conta com 29 anos de afastamento”.
Possível crime prescrito
O vice-presidente do TJ-SP, desembargador Luis Soares de Mello, atuou como relator por impedimento do atual presidente, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco.
Pinheiro Franco integrou o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) e foi membro da turma julgadora da ação penal ajuizada contra Holland, que resultou em condenação a pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, além de 82 dias-multa. A punibilidade foi extinta por prescrição [quando o Estado perde a possibilidade de punir o autor de crime ou contravenção, por não haver exercido esse direito no tempo legal].
O relator registrou que Holland exerceu a magistratura por apenas sete anos. A maior parte do período –quatro anos– foi marcada pelo processo disciplinar que resultou na condenação por crime de corrupção passiva.
O juiz foi submetido a uma sindicância da vida pregressa, a verificação da aptidão física, mental e psicológica, e uma avaliação de sua capacidade técnica e jurídica. O relator disse que Holland tentou evitar essa avaliação, tendo deixado de comparecer em duas oportunidades agendadas.
A banca avaliadora foi presidida pelo vice-diretor da Escola Paulista da Magistratura, desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, e composta pelos desembargadores Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho, Luciana Almeida Prado Bresciani e Renato Rangel Desinano, conselheiros da escola.
A banca avaliadora concluiu “pela baixa compreensão do conteúdo dos cursos e de capacidade de sua exposição; incorreção da quase totalidade das respostas, muitas descontextualizadas, demonstrando desatualização no direito; declarou-se, portanto, diante dos votos proferidos, o aproveitamento insatisfatório do magistrado”.
O relator destacou que as perguntas se referiam a aspectos elementares do Direito Público, Direito Penal e Direito Privado, “destituídas de qualquer viés que pudesse surpreender o interessado”. “Giraram em torno de matérias da rotina forense”, disse.
Soares de Mello entendeu que “outra não poderia ser a conclusão da banca”. Ele leu algumas perguntas e respostas, durante o resumo de seu voto.
O relator votou pelo indeferimento do pedido: “É temerário recolocar o requerente, comprovadamente destituído de preparo técnico e jurídico, para praticar atos jurisdicionais de extrema relevância, capazes de comprometer a vida e os bens dos jurisdicionados”.
Soares de Mello lembrou que o juiz em disponibilidade também está obrigado a aprimoramento cultural, capacitação e atualização.
“O indeferimento, repito, não se liga à conduta que o levou à disponibilidade, mas sim ao descumprimento, por quase 30 anos, do dever a que estão sujeitos todos os integrantes da magistratura nacional de estudar o Direito, capacitar-se e manter-se atualizado com respeito a leis, normas e jurisprudência”, concluiu.
Holland pretendia ver aprovado o imediato aproveitamento nas funções de seu cargo –em caráter definitivo–, “retroagindo e reconhecendo todos os direitos a partir de maio de 2003, quando seu reaproveitamento foi inconstitucional e ilegalmente negado”.
OUTRO LADO
Em sustentação oral, o advogado Cristovam Dionísio de Barros Cavalcanti Junior disse que o tribunal agiu com “maldade” e “leviandade”. “A nossa Constituição veda a pena perpétua. É desumano”, disse.
“Essa avaliação foi seletiva, para poder reprovar o magistrado”, disse Cavalcanti Junior. O advogado alegou que Holland estava nervoso; pediu que o tribunal designasse o juiz para presidir audiências de conciliação.
O presidente da Anamages, Magid Nauef Lauar, considera mais grave o fato de que Holland “foi acusado pela prática de um delito e não foi condenado, pois o Poder Judiciário paulista não teve a capacidade para julgá-lo, deixando prescrever o possível crime e, como é sabido, a prescrição se iguala à absolvição”.
Segundo Lauar, se Holland tivesse praticado homicídio ou latrocínio “já teria cumprido a pena, estaria livre e novamente primário diante da reabilitação”.
“Há um visível enfrentamento do TJ-SP para com o CNJ, pois em se tratando do maior tribunal do Brasil chega até ser natural não cumprir as determinações do CNJ”, diz Lauar.
Resumo dos fatos
– O juiz Marcello Holland Neto está em disponibilidade desde 1992, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. O Órgão Especial do TJ-SP entendeu naquela ocasião que ficou comprovada sua coparticipação em fraude eleitoral; o recebimento indevido de um “relógio valioso presenteado por um candidato beneficiado” e auxílio-moradia pago por uma prefeitura.
– Em 1994, o TJ-SP indeferiu o pedido de aproveitamento porque havia sido formulado prematuramente. Novo pedido, em 2003, também foi indeferido. “O retorno do requerente ao exercício da atividade jurisdicional não atende ao interesse público’, uma vez que ‘os fatos que deram lastro à imposição da pena revestem-se de intensa gravidade (…), a desaconselhar o reaproveitamento colimado. Revelam, na realidade, um quadro incompatível com a judicatura’“, decidiu então o TJ-SP.
– Holland protocolou pedido de providências ao CNJ, que não apreciou o caso, porque –segundo o então relator– o órgão tem competência apenas para o controle de atos administrativos dos tribunais.
– O juiz impetrou mandado de segurança no STF –tendo como órgão coator o CNJ– sustentando a “impossibilidade de manutenção de pena perpétua, situação decorrente, na prática, da negativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em acolher pedido de reaproveitamento do impetrante”.
– Em dezembro de 2013, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de liminar. Ela registrou que o juiz teve negado –dez anos antes– o pedido de reaproveitamento pela via administrativa no TJ-SP: “Tal pedido foi negado e não se tem notícia nos autos acerca de irresignação veiculada perante o próprio Tribunal de Justiça, que seria a instância competente para esse exame”, afirmou Weber em sua decisão.
– Em julho de 2016, ao julgar procedimento instaurado por Holland no CNJ, o então relator, conselheiro Emmanoel Campelo determinou, em decisão monocrática, o início do procedimento necessário ao reaproveitamento de Holland.
– Em novembro de 2017, o CNJ decidiu, por unanimidade, que o TJ-SP avaliaria se Holland tinha condições de reassumir o cargo. O então presidente da OAB, Cláudio Lamachia, presente à sessão, afirmou: “É inadmissível imaginar que um magistrado possa ficar em disponibilidade por 25 anos, e ainda recebendo. Quem paga esta conta é o cidadão, que quer efetivamente celeridade”.
– O TJ-SP deu início ao processo de avaliação, mas a defesa alegou tratar-se de um novo concurso público, o que era inaceitável para um magistrado vitalício.
– Em maio último, o CNJ deu prazo de 30 dias para o tribunal “avaliar definitivamente a possibilidade de reintegração” do juiz. O relator, conselheiro Rubens Canuto, admitiu que “a gravidade dos fatos recomendava uma aposentadoria compulsória, mas o tribunal de Justiça optou pela aplicação da pena de disponibilidade –não foi o CNJ–, assegurando ao juiz o direito de retornar ao cargo”. Canuto lembrou que “a pena de disponibilidade é mais gravosa que a aposentadoria, pois proíbe o magistrado de exercer qualquer outra atividade”.
– Em 2 de junho último, o Órgão Especial do TJ-SP indeferiu o pedido de reintegração.
– O juiz Marcello Holland Neto e a Anamages aguardarão manifestação do CNJ. “Caberá ao CNJ verificar se sua decisão foi ou não cumprida”, diz Lauar.