Pedidos de impeachment engavetados na Câmara e a vulnerabilidade do Supremo
Autor do livro “Como remover um Presidente“, o professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, diz que deixar Jair Bolsonaro livre de um processo de impeachment incentiva o presidente a sabotar o processo eleitoral em 2022.
“Quanto mais Bolsonaro é preservado no cargo fazendo o que faz, menores são os estímulos para que ele aceite uma eventual derrota no ano que vem”, diz Mafei.
O livro, editado pela Zahar, chega nesta sexta-feira (18) às livrarias. Trata da história do impeachment e o uso do instrumento no Brasil.
Em entrevista ao jornalista Ricardo Balthazar, na Folha, Mafei aborda, entre outros aspectos, a vulnerabilidade do Supremo Tribunal Federal –que, segundo ele, “não é obra exclusiva de Bolsonaro”.
“Assim como os pedidos de impeachment contra o presidente da República ficam parados na presidência da Câmara, há pedidos de impeachment apresentados contra ministros do STF parados no Senado”, diz o pesquisador.
A seguir, trechos da entrevista:
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Ao entrar em campo no jogo da política, os ministros do STF se tornaram mais vulneráveis a ataques como os de Bolsonaro?
Sem dúvida. O aperto pelo qual o Supremo passa hoje não é obra exclusiva do Bolsonaro. A desconfiança em relação ao tribunal vem do fato de que, para muita gente, pelo menos alguns ministros têm comportamento político indevido, não respeitam a ética que deveria ser respeitada na instituição.
O ministro que se reúne com políticos, o que tem empresa que capta patrocínio de outras empresas com interesses em jogo no tribunal, o ministro que faz comentários sobre fatos políticos miúdos, o ministro que faz acusações de natureza política nos julgamentos. Tudo isso veio antes de Bolsonaro.
Ele talvez esteja justamente se aproveitando do fato de que o tribunal está enfraquecido. No fundo, Bolsonaro trabalha mesmo com o diagnóstico de que o soldado e o cabo bastam [para fechar o tribunal, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sugeriu em 2018]. É um tribunal que não parece ter muita condição de reagir publicamente se for alvo de uma investida mais grave.
Esse descrédito limitaria o papel do Supremo como árbitro do processo na hipótese de outro impeachment?
O Supremo teria como interferir relativamente pouco. Se existe uma vantagem no fato de a gente ter tido dois processos de impeachment, nos quais houve muitas tentativas de judicialização, é que o rito está definido e a jurisprudência está bastante cristalizada nos principais temas que podem ser levantados.
Sempre podem surgir outras coisas, mas o grosso está desenhado e o caminho está aberto para que as outras instituições tenham o protagonismo que é próprio delas, e para que o Supremo possa ter uma atuação mais contida, como acho que, a não ser pelas questões procedimentais, deve mesmo ser.
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(*) Rafael Mafei é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pesquisador do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut). Tem artigos publicados no Brasil e no exterior e é coautor de “Curso de História do Direito” (Método, 2013), escrito com José Reinaldo de Lima Lopes e Thiago dos Santos Acca.