Tribunal burla promoções, acusa juiz; corte nega e diz que decisão é colegiada

O juiz Magid Nauef Láuar, da 1ª. Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte, pediu ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para coibir suposto direcionamento nas eleições de novos desembargadores no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Ele requer a suspensão dos votos proferidos pelos desembargadores Gilson Soares Lemes (presidente), Geraldo Domingos Coelho e José Geraldo Saldanha da Fonseca, no último dia 9, quando o  Órgão Especial tratou da promoção por merecimento para o cargo de desembargador.

O juiz pede que os três magistrados sejam considerados suspeitos/impedidos de participar de sessões do Órgão Especial com essa finalidade. Láuar afirma que Lemes, Coelho e Fonseca “votam artificialmente, elevando a nota do seu candidato ‘favorito’ e reduzindo as notas dos demais candidatos”. Com esse procedimento, “desequilibram o certame e, em tese, burlam a Resolução 106/CNJ”, que dispõe sobre a promoção de magistrados aos tribunais de segundo grau.

Láuar encontra-se afastado das suas funções jurisdicionais desde 2016 para presidir a Anamages – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. A entidade mantém longo histórico de divergências internas e de confrontos com o tribunal e com a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).

O requerimento foi protocolado na última quarta-feira (23) no CNJ e distribuído para a conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel. (*)

Segundo Láuar, o esquema funcionaria assim: a) o candidato preferido entra na lista tríplice no terceiro lugar; b) o primeiro lugar da lista tríplice é promovido; c) na sessão seguinte, os integrantes da lista tríplice anterior recebem, automaticamente, a nota máxima (o CNJ já proibiu essa prática); d) o candidato preferido será obrigatoriamente promovido na terceira sessão. Ou seja, a burla consistiria em rebaixar as notas dos outros candidatos e elevar a nota do preferido.

Láuar sugere a existência de uma “facção” dentro do tribunal para promover juízes que se comprometam a apoiar o grupo nas futuras eleições do tribunal estadual e do Tribunal Regional Eleitoral.

Decisão colegiada

Em nota, o TJ-MG refuta as acusações e afirma que Láuar “concorreu, em igualdade de condições, com outros magistrados”, não sendo “razoável achar que sua promoção seria mais justa que a de outros colegas”.

“A promoção por merecimento é realizada por votação com a participação de 25 desembargadores. “É uma decisão colegiada.”

A atuação dos desembargadores “pautou-se em critérios regularmente estabelecidos pelas normas do CNJ”, sustenta o tribunal.

Ainda segundo a nota, “reconhecer que ações judiciais propostas pelo candidato possam dar causa à suspeição de Desembargador Avaliador do Órgão Especial permitiria que o interessado pudesse escolher a autoridade que integraria o colegiado que realizaria as votações para o processo de promoção, o que configuraria manifesto abuso de direito”.[veja a íntegra da nota no final do post].

O questionamento ao CNJ ocorre no momento em que o tribunal mineiro é alvo de investigações promovidas pela Corregedoria Nacional de Justiça e quando tramita no Superior Tribunal de Justiça inquérito instaurado contra o presidente do TRE-MG, desembargador Alexandre Victor de Carvalho, suspeito de corrupção.

Em fevereiro deste ano, o CNJ abriu reclamação disciplinar para apurar a conduta dos desembargadores Geraldo Domingos Coelho e José Geraldo Saldanha da Fonseca, entre outros magistrados. No pedido, Láuar observa que o TJ-MG “não promove magistrado que estiver respondendo por algum procedimento disciplinar”.

O juiz reproduz noticiário de 2020 sobre a suspeita de acordos do desembargador Geraldo Domingos Coelho com advogados, o que levou a corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a promover correição extraordinária no gabinete do magistrado, onde a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão.

Láuar entende que “não é sensato que um desembargador, respondendo processo administrativo por prática de nepotismo, funcionários fantasmas e inserção de dados falsos em documentos públicos, avalie a conduta ética e a produtividade de magistrados para promoção por merecimento”.

O presidente do TJ-MG não é alvo de processo, esclarece Láuar. Ele pediu sua suspeição/impedimento sob a alegação de que Lemes “tem se comportado como inimigo” e “se recusa a fornecer certidões, em uma demonstração de abuso de poder”, diz.

Láuar diz que o presidente lhe “atribuiu notas baixíssimas, mesmo tendo uma das maiores produtividades e os mais elevados números de títulos”.

Abuso de poder

Antes de recorrer ao CNJ, o juiz arguiu suspeição/impedimento dos desembargadores no TJ-MG. Os pedidos foram indeferidos liminarmente.

Láuar afirma que solicitou aos três desembargadores que informassem “onde e através de quais meios que obtiveram dados referentes ao seu desempenho e presteza posto que o TJ-MG não fornece”. Sequer se dignaram em responder, diz.

“Não restou opção senão recorrer ao Poder Judiciário, através de mandado de segurança. O STJ decidiu que os ora representados estão obrigados a fornecer dados e informações que usaram para diminuir a nota do ora requerente.”

Láuar diz que, desde que ajuizou os mandados de segurança, os desembargadores “têm agido como somente os inimigos agem, no sentido de prejudica-lo”. Ou seja, reduziram a sua nota “sem amparo legal, sem fundamentação, e, em tese, inserindo dados falsos (ou inexistentes) em documentos públicos”. (1)

No último dia 24 de março, Láuar requereu à presidência do TJ-MG certidão para exercício dos seus direitos. “A presidência determinou que a Secretaria do Órgão Especial confeccionasse a Certidão e, ao invés de ser fornecida ao Requerente [Láuar], foi determinado o envio da certidão para a Presidência (sic). E lá, a Certidão continua paralisada”, afirma.

“Um magistrado com 29 anos de carreira na magistratura e com mais 11 anos como servidor do tribunal (…) foi obrigado a pleitear junto à Corregedoria Nacional de Justiça para que a presidência do TJ-MG forneça uma simples certidão”, conclui o juiz.

Disputas e precedentes

Nas avaliações dos desembargadores sobre a atuação de Láuar, consta que “o candidato em manifestações públicas, valendo-se dos meios de comunicação social, tem demonstrado comportamento reprovável”, ferindo o Código de Ética da Magistratura.

Láuar atribui essa referência à campanha da Anamages pela extinção do Quinto Constitucional. “Nunca um integrante da Anamages foi promovido por merecimento”, diz. No seu caso, a promoção tem sido frustrada desde 2010/2011. Ele é autor de vários processos no STJ contra o TJ-MG e ex-dirigentes da corte.

Em 2012, a Anamages pediu ao CNJ a anulação das promoções de 17 juízes mineiros ao cargo de desembargador, entre 2006 e 2009, por supostamente terem sido privilegiados parentes e ex-dirigentes da Amagis, em detrimento de juízes mais antigos. Na ocasião, o TJ-MG sustentou que “foram obedecidas todas as normas”. O então presidente da Amagis, Nelson Missias, que viria a presidir o TJ-MG, disse que a Anamages “não tem credibilidade e legitimidade para questionar promoções”.

Em 2005, no início das atividades do CNJ, a Anamages questionou no Supremo resolução que determinava o fim do nepotismo. A ação foi indeferida pelo ministro Cezar Peluso, por entender que a Anamages representa apenas magistrados estaduais e a resolução atingiria todos os integrantes do Judiciário.

Naquela ocasião, o então presidente da Anamages, desembargador Elpídio Donizetti Nunes, tinha a mulher e a sogra na folha de pagamento do tribunal. Um ex-presidente da corte tinha seis parentes. Um ex-corregedor mantinha em seu gabinete a mulher e a filha.

Em 2014, o STF voltou a julgar inviável a Anamages ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade contra ato do CNJ. O relator, ministro Dias Toffoli, entendeu que faltava legitimidade à entidade para propor a ADI.

No ano seguinte, em decisão unânime, Toffoli julgou procedente ação direta em que a Anamages questionou lei do estado do Rio de Janeiro. Segundo o ministro, embora a entidade represente apenas uma fração da classe dos magistrados, sua legitimidade  foi reconhecida porque a lei questionada dirigia-se apenas à magistratura estadual do Rio de Janeiro.

Em 2017, as eleições para recondução de Láuar, foram marcadas por graves acusações entre dirigentes da entidade, com judicialização da disputa. Três membros da chapa da oposição eram investigados no CNJ.

No último dia 2 de junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de reintegração do juiz Marcello Holland Neto, que se encontra em disponibilidade há 29 anos, acusado de fraude eleitoral e corrupção. A Anamages patrocinou a defesa do juiz.

OUTRO LADO

Eis a manifestação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

NOTA DE ESCLARECIMENTOS – TJMG

O candidato concorreu, em igualdade de condições, com outros magistrados que também atenderam os critérios objetivos estabelecidos pela Resolução 106 do CNJ não sendo razoável achar que sua promoção seria mais justa que a de outros colegas, todos na última entrância do cargo de juiz, desqualificando-os.

Quanto à alegação de parcialidade na avaliação do juiz Magid Nauef Láuar em edital de promoção por merecimento ao cargo de Desembargador do TJMG, registra-se que a atuação dos Desembargadores mencionados na matéria pautou-se em critérios regularmente estabelecidos pelas normas do Conselho Nacional de Justiça e deste Tribunal; essa afirmação pode ser verificada pela regularidade das notas que os mencionados Desembargadores atribuíram ao referido Candidato nos últimos editais de promoção por merecimento ao Cargo de desembargador, conforme atas das respectivas sessões que ora seguem anexadas a esta Nota de Esclarecimentos.

Reconhecer que ações judiciais propostas pelo candidato possam dar causa à suspeição de Desembargador Avaliador do Órgão Especial permitiria que o interessado pudesse escolher a autoridade que integraria o colegiado que realizaria as votações para o processo de promoção, o que configuraria manifesto abuso de direito.

De mais a mais, vale frisar que a promoção por merecimento ao cargo de Desembargador é realizada por votação, mediante justificativa fundamentada, com a participação de 25 desembargadores, sendo que a soma das pontuações que define o juiz que será promovido à 2ª instância.

Ou seja, a promoção ou não ao cargo de Desembargador é uma decisão colegiada, de acordo com a produtividade, presteza, ética e desempenho dos concorrentes.

Como é de conhecimento público o juiz de Direito Magid Nauef Láuar encontra-se afastado das suas funções jurisdicionais, no período de 01.09.2016 até 25.03.2023, para presidir a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages.

Contudo, na avaliação do candidato, é considerado o tempo de exercício jurisdicional imediatamente anterior, conforme §3º do art. 4º da Res. 106/CNJ, observando-se os dados fornecidos pela Corregedoria-Geral de Justiça do TJMG, comparando-se a qualidade das sentenças prolatadas, sua produtividade, dedicação e celeridade na prestação jurisdicional, além do aperfeiçoamento técnico durante o tempo de magistratura.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

(1) Texto corrigido às 9h30. Por erro de edição, constava “tem agido somente como os criminosos agem”. 

(*) Processo Nº 0004876-90.2021.2.00.0000