Procurador aposentado sugere investigação sobre omissão de Aras

Sob o título “Uma situação insustentável“, o artigo a seguir é de autoria do advogado Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado.

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I – O FATO

Segundo o site do jornal O Globo, em 4 de julho de 2021, “um pedido para que a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue o procurador-geral Augusto Aras por omissões na fiscalização do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 deflagrou uma guerra interna no Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão máximo que teria a competência legal para investigar Aras. Os conselheiros tentam dar prosseguimento ao julgamento do caso, mas um aliado de Aras bloqueou o processo e proferiu um despacho secreto, que acabou paralisando a tramitação.”

A representação foi apresentada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES). No texto, eles apontavam irregularidades na conduta de Aras, citando nota em que o procurador-geral disse que caberia ao Legislativo investigar a conduta de autoridades públicas na pandemia.

Os senadores apontavam que Aras abria mão das atribuições funcionais “ao pretender indevidamente transferir a pretensão de responsabilização dos agentes políticos de cúpula ao Poder Legislativo”.

Ainda segundo a reportagem, neste caso, o vice-presidente do conselho, o subprocurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada determinou o prosseguimento do processo para que posteriormente fosse colocado em julgamento.

A secretaria do Conselho Superior, entretanto, enviou o caso para o subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros, um dos poucos aliados de Aras no órgão, para que ele decidisse se havia conexão com um caso anterior no qual ele atuou.

Apesar do processo ser público, Jacques proferiu um despacho sigiloso ao qual nenhum dos conselheiros nem os funcionários do conselho tiveram acesso. Depois disso, Bonifácio tomou uma ação inédita: entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal para obrigar que o despacho secreto do aliado de Aras seja tornado público e o teor seja anulado.

II – O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Para o caso há o direito líquido e certo. Não há na administração pública despachos secretos. Isso fere, gritantemente, o princípio da publicidade.

Data vênia, o ato administrativo que se julga afrontoso está em sentido divergente à própria Constituição, diretamente, quando se fala no princípio da publicidade.

A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Especialmente exige-se que se publiquem atos que deixam surtir efeitos externos, fora dos órgãos da Administração.

Não se admitem na Administração ações sigilosas.

No ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 13ª edição, pág. 564), a publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como ainda de propiciação do conhecimento da conduta interna de seus agentes.

Essa publicidade, como lembrou José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 565), atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos de quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos componentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado e dele obter certidão ou fotocópia autenticada para fins constitucionais.

A publicidade dos atos estatais e mais restritamente no caso dos atos da Administração tem sido uma preocupação constante no Estado de Direito. Só a publicidade permite evitar os inconvenientes necessariamente presentes nos processos sigilosos. O conhecimento, portanto, da atuação administrativa é indispensável tanto no que diz respeito à proteção dos interesses individuais como ainda aos interesses da coletividade em exercer o controle sobre os atos administrativos.

A publicidade vem a ser, pois, a divulgação que é feita das decisões administrativas, excetuadas aquelas de interesse exclusivamente interno.

Não se admite tal conduta que se apoia em atos administrativos secretos. Isso é próprio de uma administração viciada.

III – UMA NECESSÁRIA RESPONSABILIZAÇÃO

Em texto para a Folha de S.Paulo, intitulado “A milícia da Covid informa:”, Janio de Freitas, com sabedoria habitual, disse:

“Augusto Aras desfez-se cedo de sua autoridade moral. É exemplar da dependência que o funcionamento das instituições tem. Seu desempenho é faccioso e imoral. Característica que o candidata a novo mandato para mais serviços desavergonhados a Bolsonaro e ao bolsonarismo. Se reconduzido, um movimento de resistência dos procuradores será tão necessário quanto justificado. E exigido pelos fatos como esperado pela população não fanatizada.”

Tudo isso é extremamente preocupante.

As condutas do atual procurador-geral da República devem ser objeto da devida apuração. Não se pode colocar uma Instituição permanente e independente como o Ministério Público Federal a reboque dos interesses de governo.

Aliás, a Constituição de 1988 põe em devido destaque o Parquet como órgão fiscalizador da lei e advogado dos interesses da sociedade, não de governos. A pretexto de não poder ser catalizador de crises, não pode o Parquet deixar de atuar.

O procurador-geral da República não pode recursar-se a ajuizar ação penal pública quando o texto da lei o obrigue.

Não se trate de conveniência ou oportunidade, mas de obrigatoriedade. Isso porque, como aduziu Hugo Nigro Mazzilli (O inquérito civil, pág. 102) estará a ação do membro ministerial iluminada pelo princípio da obrigatoriedade, ou seja, identificando uma lesão para cujo combate está a Instituição legitimada, surge o dever de agir.

Desta forma não se admite que o Ministério Público, identificando uma hipótese em que a lei lhe imponha o dever de agir, mesmo assim se recuse a fazê-lo: nesse sentido, sua ação é um dever. No caso da investigação penal, da ação penal pública, embora tenha o membro do Parquet ampla liberdade funcional, sua atuação é estreitamente regrada, já que, identificando uma hipótese em que a lei lhe imponha a atuação, não pode abster-se do dever de agir.

Como disse Hugo Nigro Mazzilli (“O Inquérito Civil”, 1999, pág. 223) para o Ministério Público, existe antes o dever que o direito de agir; daí se afirmar a obrigatoriedade e a consequente indisponibilidade de sua atuação.

Não se admite que o Ministério Público, identificando uma hipótese em que a lei lhe imponha o dever de agir, mesmo assim se recuse a fazê-lo: neste sentido a sua ação é um dever.

Se não o faz, incide nos crimes previstos no artigo 40 da Lei de impeachment, em especial, nos incisos II, III, IV.

Poderá, de pronto, mandar arquivar o pedido por entender genérico e incabível ou ainda, com informações prestadas ao Supremo Tribunal Federal, abrir um procedimento preliminar para apuração. Poderá, desde já, pedir à Polícia Federal que investigue o fato ouvido o STF.

O que não pode é se omitir.

A questão cresce de importância na medida em que a imprensa tem aumentado o cerco contra a atuação do atual procurador – geral com relação a uma conduta considerada atrelada a do presidente. Há quem diga que ele estaria sendo um aliado do atual chefe do Executivo.

São os caminhos que podem ser tomados com relação a essa atuação: uma investigação a partir do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que poderia estar focada na prevaricação.

Se o Conselho Superior do Ministério Público Federal pode o mais, que é acionar perante o STF o procurador-geral da República, pode o menos, que é apurar, investigar aquele por possíveis delitos penais.

A duas, poder-se-ia tomar providências com fulcro no artigo 40 da Lei 1.079/50 com relação a crime de responsabilidade.

O artigo 51 da lei complementar 75/1993, lei orgânica do MPU, diz que “a ação penal pública contra o procurador-geral da República, quando no exercício do cargo, caberá ao subprocurador-geral da República que for designado pelo Conselho Superior do Ministério Público.”

Ali se diz:

Art. 51. A ação penal pública contra o Procurador-Geral da República, quando no exercício do cargo, caberá ao Subprocurador-Geral da República que for designado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal.

A ação seria julgada no Supremo Tribunal Federal que tem competência originária para tal.

Tudo isso em nome do princípio republicano, que exige a responsabilização do agente público pelos atos por eles praticados.

Como disse Hugo Nigro Mazzilli (“O Inquérito Civil”, 1999, pág. 223) para o Ministério Público, existe antes o dever que o direito de agir; daí se afirmar a obrigatoriedade e a consequente indisponibilidade de sua atuação.

Não se admite que o Ministério Público, identificando uma hipótese em que a lei lhe imponha o dever de agir, mesmo assim se recuse a fazê-lo: neste sentido a sua ação é um dever.

Ademais, deve ser acionada a Procuradoria da República no Distrito Federal para estudar a possibilidade de ação de improbidade por ofensa ao art. 11, II, da Lei 8429/92 (“deixar de praticar indevidamente ato de ofício”) ou mesmo de provocar apuração de crime de responsabilidade, por enquadramento no art. 40, item 2, da Lei 1079/50 (“recusar-se à prática de ato que lhe incumba”).

Lembre-se que as ações civis de improbidade administrativa podem ser ajuizadas perante a primeira instância.