Operação tapa-buraco tenta reparar perdas com o desmonte da Lava Jato
A iniciativa do procurador-geral da República, Augusto Aras –que noticiou a criação de “quatro novos ofícios para o combate à corrupção no país”– embute sua própria fragilidade. Os ofícios, semelhantes às varas no Judiciário, previstos para instalação em Minas Gerais, Amazonas, Pará e Paraíba foram, no mesmo ato, redistribuídos para o Paraná, em socorro à remanescente equipe da Lava Jato, operação notoriamente esvaziada. [veja quadro]
A medida não terá reflexos imediatos contra a corrupção naqueles quatro estados.
Cinco procuradores, dez assessores/analistas e dez estagiários –iniciantes ou experientes– vão suprir, no mínimo durante um ano, a falta de braços em Curitiba, dividindo o acervo do 15º Ofício de Combate à Corrupção da Procuradoria da República no Paraná. Essa providência pode durar até quatro anos. Ao final do período, eles retornarão aos estados de origem.
Em fevereiro, o PGR havia negado o fim da Lava Jato, dizendo que “apenas se trocou o nome de uma força-tarefa para o Gaeco – Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado”. Os Gaecos no Ministério Público Federal foram previstos em Resolução de 2013 e impulsionados em 2019 com a digitalização e a pandemia. Atualmente, há Gaecos federais nos seguintes estados: Pará, Amazonas, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Paraíba e Minas Gerais. São Paulo pretende instalar um Gaeco.
Segundo nota divulgada pelo MPF em junho, a redistribuição “faz parte do esforço da PGR de multiplicar a experiência exitosa da atuação conjunta registrada nos últimos anos em Curitiba para outras unidades”.
A PGR admite que essa redistribuição exigirá novos sacrifícios das unidades de Minas Gerais, Amazonas, Pará e Paraíba –justamente as que, “em esforço e sacrifício interno e próprio, organizaram-se espontaneamente, formaram os quatro pioneiros Gaecos e há mais tempo aguardavam reforços e apoio”.
Documento que definiu o equacionamento do acervo em Curitiba prevê que “a pronta oferta desses quatro novos ofícios desencadeará remoções sucessivas, nas quais já podem aparecer ofícios vagos em procuradorias em municípios que deverão ser extintas”.
No diagnóstico que fundamentou as mudanças o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, criticou o gigantismo de algumas forças-tarefas e afirmou que o 15º Ofício no Paraná foi “inviabilizado justamente por todo a apoio que recebeu nos últimos anos”. E acrescentou: “agora, em mais um esforço, o Paraná reclama por ajuda”.
Jacques registrou que o Paraná não oferece ofícios para redistribuição e “espera que outras Unidades da Federação se sacrifiquem em favor de um problema que é seu”. “É também da Administração Superior que deixou que ele crescesse a tal ponto”, completou.
Os procuradores dos Gaecos podem atuar com exclusividade ou acumular com o trabalho de seu ofício. Podem atuar fisicamente na capital ou não. Podem ter maior ou menor experiência. Membros de Gaecos que acumulam ofícios têm direito a receber a Gratificação por Exercício Cumulativo de Ofício (Geco). Ou seja, por acúmulo de serviço com os seus ofícios de origem.
Reportagem de José Marques, na Folha, revelou que, como a seleção é feita de acordo com o critério de antiguidade na carreira, alguns procuradores temem que os Gaecos virem um “puxadinho remuneratório”.
O salário de um procurador que atua na primeira instância é atualmente de R$ 33.689. Como a remuneração extra pode chegar ao teto de R$ 39,2 mil, há entendimento interno da PGR que haverá estímulo à criação de mais Gaecos em todo o país. Procuradores mais antigos no MP, não especializados em crime organizado ou lavagem de dinheiro, podem se candidatar caso tenham interesse na gratificação.
A corregedoria do MPF deverá criar uma comissão específica para acompanhar a performance dos ofícios redistribuídos, devendo apresentar relatórios bimestrais que atestem a produtividade.
Debandada geral
Com o fim da Lava Jato, houve uma debandada geral de procuradores das forças-tarefas em quatro unidades (PR, DF, SP e RJ). Essa retirada deve provocar perda de know-how no combate ao crime organizado e aos sofisticados e globalizados crimes financeiros. Há dúvidas se esse prejuízo será compensado com o concurso de procuradores substitutos lotados em municípios distantes, trabalhando virtualmente.
O modelo de Aras enfrentou resistência no MPF, com a renúncia coletiva de procuradores da Lava Jato em São Paulo e no Distrito Federal e a impugnação pela força-tarefa do Rio de Janeiro, que contestou judicialmente as decisões de Aras.
O maior estrago ocorreu com o naufrágio na Operação Greenfield, no Distrito Federal, que apurava desvios de recursos de fundos públicos de pensão.
Sete membros do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal) –ou seja, a maioria—impugnaram a designação do procurador Celso Três, do Rio Grande do Sul, para substituir o titular daquela força-tarefa, violando o princípio constitucional do “procurador natural”. Três foi o único procurador que se apresentou voluntariamente para a tarefa. Nenhum membro da procuradoria no DF aderiu à convocação [veja detalhes nos posts seguintes].
A reorganização do MPF divide opiniões. Os procuradores que criticam a gestão de Aras veem risco de perda de autonomia e identificam um movimento para reduzir a independência desses grupos e concentrar na PGR informações sobre as operações, com acesso a provas e dados sigilosos.
Os que apoiam o projeto de Aras entendem que se trata de eliminar distorções do gigantismo de algumas forças-tarefas, que passaram a acumular outras investigações, sem recursos e infraestrutura.
Em posição intermediária, alguns apostam na reorganização geográfica e melhor distribuição dos servidores, aguardando o julgamento de projeto que tramita no CSMPF.
No documento sobre a ajuda a Curitiba, Jacques, afirma que algumas forças-tarefas se agigantaram, com aportes de recursos incomuns. “Tinham uma estrutura diferenciada, cresciam em acervo e volume. E porque tinham um acervo e volume grande não podiam ser jamais encerradas, mesmo sendo a temporariedade um traço definidor desse tipo de atuação.”
Ainda segundo o diagnóstico de Jacques, as unidades em que foram instaladas tais forças-tarefas “não se sentiam responsáveis pelo acervo agigantado”. Os integrantes “passavam a trabalhar de modos ortodoxos e heterodoxos pela perpetuação da força-tarefa”.
A unidade de Curitiba é a que tem melhor estrutura no MPF. A falta de condições para o volume de trabalho das operações foi reclamação constante dos procuradores da República também em outras unidades.
[O Blog publicará, na sequência, posts sobre o desmanche das forças-tarefas nas principais unidades do MPF.]