Operação tapa-buraco ocorre um ano depois de grave confronto no MPF

O anúncio de medidas para reduzir as perdas com a desmontagem de forças-tarefas ocorre um ano depois do mais grave confronto no Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) provocado pelo esvaziamento da Lava Jato.

Naquela ocasião, já eram evidentes os sinais de desmantelamento das forças-tarefas. A operação tapa-buraco é tema de série iniciada nesta segunda-feira (12).

Em janeiro de 2020, o subprocurador-geral José Adonis Callou de Araújo Sá pediu desligamento da coordenação do grupo de trabalho da Procuradoria-Geral da República que auxiliava o PGR, Augusto Aras, nos desdobramentos das investigações da Lava Jato de Curitiba em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

Sob o comando de Callou de Sá, os membros do MPF cuidavam da realização de oitivas, produção de provas e atos para celebração de acordos de colaboração premiada.

Ele foi substituído no dia seguinte pela subprocuradora-geral Lindora Maria Araújo, que já integrava a equipe de Aras como secretária da Função Penal Originária no STJ.

Meses depois, Lindora estaria no centro dos embates sobre a desidratação das forças-tarefas.

As divergências internas culminaram com uma forte troca de acusações na sessão virtual do CSMPF, no dia 31 de julho de 2020. Houve ameaças veladas, ofensas pessoais dissimuladas e denúncias, sem provas, de irregularidades.

Aquela foi a penúltima sessão em que Aras presidiu o conselho com maioria no colegiado.

O estopim foram suspeitas contra procuradores das forças-tarefas levantadas por Aras, em debate online promovido, dias antes, pelo grupo Prerrogativas, que reúne criminalistas defensores de réus da Lava Jato.

Participaram do debate –sobre o tema “Os desafios da PGR em tempos de pandemia“– os advogados Alberto Toron, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Marco Aurélio de Carvalho, coordenador-geral do Prerrogativas.

O grupo Prerrogativas foi criado há cerca de cinco anos a título de defender as prerrogativas dos advogados violadas na Lava Jato. Seus membros estão convencidos de que o processo que levou à prisão de Lula foi uma “condenação sem provas”.

Sobre o evento, o jurista Lenio Streck escreveu no Conjur:

“Augusto Aras colocou o dedo na ferida. Dói. Mas espero que disso se tire lições. Não há espaço para a formação de ilhas dentro do MP. Não há espaço para coisas secretas. Não há espaço, na República, para arapongagem, como denunciou o PGR Aras”.

No encontro virtual com advogados, o PGR afirmou que a meta de sua gestão na PGR é “abrir a instituição para que jamais se possa dizer que tenha caixas-pretas”.

“Lista tríplice fraudável nunca mais”, afirmou.

A força-tarefa da Lava Jato contestou:

“A ilação de que há ‘caixas de segredos’ no trabalho dos procuradores da República é falsa, assim como a alegação de que haveria milhares de documentos ocultos.

O modelo de forças-tarefas –que tão importantes resultados têm produzido em complexos casos de corrupção em todo o Brasil, de desastres ambientais, em defesa da Amazônia e tantos outros – pode e deve ser aprimorado, mas esse aperfeiçoamento não passa pela deslegitimação de seus trabalhos ou pela desqualificação de seus membros, mas sim pelo respeito à pluralidade e pelo debate produtivo e propositivo de ideias”.

Semanas antes, Augusto Aras havia sido derrotado em duas eleições no Conselho Superior do MPF, ficando em minoria entre os dez conselheiros (com apenas quatro aliados).

Uma das aliadas mais próximas de Aras, Lindora Araújo desistiu de disputar a eleição depois que veio à tona o controvertido episódio de sua intervenção na força-tarefa de Curitiba, em que foi acusada de tentar copiar dados sigilosos da operação.

Na ocasião, a PGR negou irregularidades e afirmou que a ida de Lindora a Curitiba consistiu em uma visita de trabalho à força-tarefa.

Este Blog registrou: “A subprocuradora-geral Lindora alegou excesso de atividades para não concorrer ao CSMPF, mas é possível supor que a votação quantificaria a reprovação à sua atuação no caso revelado pelo Globo, que gerou um pedido de demissão coletiva dos procuradores do grupo da Lava-Jato na PGR”.

Em entrevista a Fábio Fabrini, da Folha, o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho, membro do Conselho Superior do MPF, questionou as requisições de informações da Lava Jato pelo PGR e por Lindora Araújo.

Ele sustentou que ambos não tinham essa atribuição. Disse que só o Judiciário pode autorizar o compartilhamento.

Nívio de Freitas foi procurador-chefe da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro. Em 2015, foi designado como membro da força-tarefa da Lava Jato para oficiar nos feitos judiciais e extrajudiciais perante o Superior Tribunal de Justiça.

Eis trecho da entrevista a Fabrini:

A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba encaminhou para a Corregedoria-Geral do MPF uma denúncia dando conta de que a subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora do grupo da Lava Jato na PGR, tentou acesso a informações que, em tese, não poderia obter. Qual sua avaliação sobre esse episódio?

Nívio de Freitas: O trâmite regular de compartilhamento de prova é formal. O procurador-geral e a procuradora não têm atribuição para requisitar essas informações. Num caso em que isso se faça necessário, isso é pontual. Você não pode, simplesmente, requisitar acesso a todo o banco de dados.

Os procuradores que têm essas provas são responsáveis pela guarda delas, sob pena de serem responsabilizados criminalmente. Só quem pode autorizar o compartilhamento de provas sujeitas a reserva de jurisdição é o Judiciário.

Houve a mesma coisa no Rio de Janeiro, dessa requisição pelo procurador-geral. Os colegas se posicionaram técnica e corretamente ao não franquearem o acesso às informações que foram solicitadas ou requisitadas.