Operação Greenfield : Aras contraria a cúpula do MPF e indica um aliado (2)

No dia 25 de novembro de 2020, Aras designou o procurador da República Celso Antonio Três, de Novo Hamburgo (RS), “procurador natural por sucessão nos feitos sem denúncia ou ação de improbidade propostas relativos ao caso Greenfield”.

Foi facultado a Três redistribuir para a PR/DF todos os processos “que entender estejam fora do escopo dos delitos cometidos em detrimento dos fundos públicos de pensão por seus dirigentes, bem como as ações penais e as ações de improbidade que ajuíze”.

Sob o título “Aras esvazia força-tarefa e nomeia aliado para conduzir a operação Greenfield”, este Blog comentou, no dia seguinte:

Em meio ao esvaziamento de várias forças-tarefas e ao desgaste interno do atual procurador-geral da República, Celso Três mantém apoio a Aras. Ele tem sido crítico da força-tarefa da Lava Jato. Colegas atribuem o fato a ressentimentos, por não ter sido convidado a compor a equipe de Curitiba”.

Aras designou sete procuradores da República para atuarem à distância com Celso Três. Dois deles lotados em estados (Rio de Janeiro e Rondônia) e os demais em procuradorias da República em municípios: Santarém (PA), São José do Rio Preto (SP), Sinop (MT), Guarulhos (SP) e Limoeiro do Norte (CE).

A formação de equipes com procuradores nos municípios, modelo que seria adotado em outras unidades, era tema de controvérsias. Preocupava a inexperiência dos procuradores. Os mais novos geralmente eram designados para as procuradorias da República nos municípios. Havia muitas dúvidas sobre a efetividade do trabalho realizado à distância.

Substituição imprópria

A reação à designação do procurador Celso Três veio dois dias depois em nota pública assinada por sete membros (a maioria) do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), a instância máxima de deliberação do MPF. Eles consideraram inconstitucional o despacho do vice-PGR, Humberto Jacques, e a portaria de Aras.

Manifestaram “extrema preocupação” com o ato do PGR, “a despeito de ter sido publicado um edital para escolha de um ‘novo procurador natural’, para o qual houve apenas um interessado” [Celso Três].

Afirmaram que a designação de “procurador natural por sucessão” não se coaduna com o princípio do procurador natural”, adotado na ordem constitucional para prevenir e impedir o casuísmo nas designações e substituições.

O artigo da Lei 13.024 –invocado no despacho de Jacques e na portaria de Aras– não autoriza a designação ad hoc de um “novo procurador natural”, mas a distribuição excepcional dos processos, para dois ou mais membros, quando o titular está afastado.

Os conselheiros recomendaram que, “em sintonia com os melhores rumos a serem seguidos pelo MPF” (…) e “nos trilhos da ordem jurídica e em busca de seu aprimoramento institucional permanente”, que aqueles pontos fossem discutidos e definidos no bojo de um Projeto de Resolução pendente de votação no CSMPF.

A nota foi assinada pelos subprocuradores-gerais José Adonis Callou de Araújo Sá, José Bonifácio Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Maria Caetana Cintra Santos, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino de Castro e Costa Neto.

Os conselheiros afirmaram ainda que a designação de Três “desconsidera a concepção original de uma força-tarefa focada em seu objeto de atuação, ao abrir ensejo à redistribuição de inúmeros procedimentos, com evidentes riscos de fragmentação de atividades e prejuízos à visão sistêmica, de conjunto, essencial em qualquer investigação de redes de macrocriminalidade organizada.”

Situação excepcional

Em despacho, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, anotou a falta de candidatos ao posto e elogiou Três. “Entre os integrantes da PR/DF não se ofereceram voluntários para assumir a condição de procurador natural do caso. Ao edital de consulta houve uma excepcional resposta e uma grave constatação: apenas um membro do MPF se ofereceu”.

Segundo Jacques, “isso demonstra o quanto o ‘caso Greenfield’ cresceu baseado em uma estrutura artificial”. Ele afirmou no despacho que “a situação é excepcionalíssima, grave e gerada sem o concurso da Administração Superior do MPF – que tem respeitado as opções dos membros no caso – mas não comporta mais delonga na adoção de uma solução que o equacione”.

Celso Três fez avaliação semelhante. Sustentou que a Greenfield exorbitou, incluindo casos estranhos ao seu objeto. Disse que vários membros da força-tarefa ingressaram no MPF e permaneceram vários anos em Brasília, jamais assumindo suas repartições [lotações]. Ou seja, tinham interesse em estender a investigação, ampliar o objeto da operação e, consequentemente, continuar na Capital Federal.

O vice-PGR definiu Três como “experiente membro do Ministério Público, com notáveis trabalhos já realizados na instituição, acostumado a investigações de grande porte, dotado de coragem e inteligência extraordinárias, e forjado na sua carreira com valores de seletividade, prioridade e resolutividade aperfeiçoadas em gigantesca capacidade de trabalho”.

O procurador de Novo Hamburgo atraiu, muito antes, a antipatia da força-tarefa da Lava Jato ao redigir documento criticando as “10 Medidas Contra a Corrupção”, propostas que foram defendidas pelo então ministro da Justiça Sergio Moro e pelos procuradores de Curitiba. Três também condenou a divulgação de delações premiadas.

Ao ser convidado pelo vice-PGR, Três ressalvou a inconveniência de ser o titular, por causa da oposição à Lava Jato. Disse que sua designação provocaria uma enxurrada de críticas a Aras e dificultaria a arregimentação de pares. Alegou ainda a impossibilidade, por causa do volume de trabalho da Greenfield. Não pretendia a desoneração do ofício em Novo Hamburgo. Ou seja, não estava em seus planos trabalhar com exclusividade na Greenfield. Mas aceitou o convite.

Convocando colaboradores

Na mensagem aos procuradores designados para a Greenfield, Três mantém reparos à Lava Jato, e diz que fez “análises fundamentadas, sem jamais desqualificar seus membros”.

Diz que a gestão de Aras “democratizou atuação das forças-tarefas, ensejando a que todos possam oficiar”. Diz que manifestara disposição em colaborar na Greenfield sendo “apenas mais um entre dezenas, nunca pretendendo a titulação”.

Criticou os membros que renunciaram às forças-tarefas, “um erro monumental”. O novo comandante da Greenfield afirmou que a equipe trabalharia “sem estrutura própria, atuando à distância em acúmulo à faina do próprio ofício”.

“Precisamos ampliar significativamente o grupo, de forma que seja aliviado a quota individual: “Concito os pares a buscarem colegas, estimulando-os a integrarem a Greenfield, bastando a mera disposição de fazê-lo”, sugeriu na correspondência.

Três não gosta de ser identificado como aliado de Aras. Mas sempre elogiou o PGR –inclusive neste espaço. Diz que não houve intervenção do PGR na Greenfield, mas tentativa de saneamento. [continua]

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Este é o segundo post sobre a desmontagem da força-tarefa Greenfield, criada em 2016 na Procuradoria da República do Distrito Federal. Leia também:

Operação Greenfield: extinção prematura e lenta desmontagem da força-tarefa

Operação Greenfield: as ironias e o insucesso da coordenação a distância