Decisões controvertidas nos recessos

O recesso forense de julho suspende os prazos processuais e, como sempre, mantém o cidadão em suspense na expectativa de acontecimentos que poderão surpreender o mundo jurídico.

A maior surpresa neste ano foi o vídeo que o STF divulgou nas redes sociais, reação inédita diante da escalada de provocações do presidente Bolsonaro: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade? Não. É falso que o Supremo tenha tirado poderes do presidente da República de atuar na pandemia”, afirmou o STF.

Fato relevante em julho: oito ex-procuradores-gerais da República repeliram insinuações sobre fraude nas urnas. A iniciativa, sem precedentes, não inibiu Bolsonaro –que não comprovou a fraude que havia anunciado– de mobilizar seguidores para manifestações públicas a favor do voto impresso.

Igualmente, as várias sugestões de investigação sobre omissão de Augusto Aras não impediram o presidente da República de indicá-lo, em julho, para recondução ao cargo. O segundo mandato ainda depende de aprovação no Senado.

É curioso observar que alguns fatos que dominaram o noticiário em julho último já frequentavam as especulações no recesso forense de julho de 2020. É o caso, por exemplo, do comportamento bajulador de algumas autoridades de olho nas nomeações para o Supremo Tribunal Federal.

No dia 30 de junho de 2020, este Blog antecipou que os ministros Dias Toffoli e João Otávio de Noronha, então presidentes do STF e do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, não dividiriam com os vice-presidentes o plantão nas férias forenses.

Em contagem regressiva para encerrar seus mandatos, ambos quebraram uma prática comum nas duas cortes. “Há hipóteses para o apego à cadeira nas férias: 1) a continuidade no cargo evitaria decisões que contrariem o entendimento de cada presidente; 2) ambos aproveitariam o momento de grande desgaste do Executivo para firmar posições.”

No início de julho do ano passado já era possível apostar, por exemplo, como Noronha votaria nas férias:

“O Judiciário conviveu nesta quarta-feira (8.jul.20) com o rumor de que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, poderá converter em prisão domiciliar a prisão preventiva de Fabrício Queiroz –ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ)– e da mulher, Márcia Oliveira de Aguiar. A conferir.”

Noronha tinha a esperança de ser indicado por Bolsonaro para a vaga do ministro Celso de Mello. Com a intenção de alcançar esse objetivo, respondeu pelo plantão judiciário, sem dividir a presidência do STJ com a ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Bingo. No plantão judicial, Noronha concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e a mulher, Márcia Aguiar, então foragida da Justiça.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) protocolou reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça, questionando a decisão de Noronha. O pedido foi arquivado sumariamente pelo então corregedor nacional, Humberto Martins.

Martins também era citado como eventual indicado por Bolsonaro para uma vaga no STF, mas sua decisão era previsível. “Não é competência do Conselho Nacional de Justiça apreciar matéria de cunho judicial e sim, de natureza administrativa e disciplinar da magistratura. No caso concreto, em que houve decisão proferida em plantão judiciário do STJ pelo presidente do Tribunal da Cidadania, somente cabe recurso para o Supremo Tribunal Federal”, disse.

Férias na Grécia

Um ano antes, no recesso de julho de 2019, três ministros do STM (Superior Tribunal Militar) viajaram à Grécia, para participar de evento privado com despesas pagas pelo tribunal. O encontro, segundo a Folha revelou, teve apoio do Bradesco e foi promovido pela Associação Internacional das Justiças Militares (AIJM), uma entidade privada com sede em Florianópolis (SC) criada em 2003.

Dos gastos totais de R$ 98,7 mil com a viagem dos três ministros, R$ 45,3 mil foram despendidos com diárias, passagens e seguro internacional do presidente da corte, almirante Marcus Vinicius Oliveira dos Santos.

O evento foi realizado de 3 a 5 de julho de 2019. O STM registrou como período da viagem do presidente: ida em 27 de junho e retorno em 17 de julho.

O STM informou ao TCU que “todos os ministros chegaram em Atenas no dia 2 de julho”. E que, no dia 6 de julho, o presidente viajou a Barcelona por conta própria, onde gozou férias de 8 a 16 de julho, em casa de parentes, sem onerar o erário. Informou ao TCU que o presidente fez as seguintes escalas: São Paulo x Londres, Londres x Atenas (no retorno, fez o percurso inverso).

O STM argumentou que “a falta de voos diretos impôs a compra de bilhetes com escala, aumentando o tempo da viagem”. O STM informara à Folha que o presidente “intercalou o evento com seu período de férias no recesso do Judiciário”. Ao TCU,  negou interrupção de férias ou intercalação.

No dia 13 de maio de 2020, em sessão virtual, o TCU julgou improcedente uma representação do Ministério Público de Contas. O STM não divulgou o resultado favorável ao tribunal.

Liminares derrubadas

Em anos anteriores, os recessos forenses também possibilitaram a concessão de medidas provisórias durante o plantão nos tribunais que seriam questionadas depois.

Em julho de 2016, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar tirando da cadeia o prefeito José Vieira da Silva, de Marizópolis, no interior da Paraíba. Em agosto, o ministro Edson Fachin derrubou a decisão.

Fachin mandou o prefeito de volta às grades e cobrou “estabilidade” aos entendimentos fixados pelo STF.

A decisão de Lewandowski foi interpretada como resistência em aplicar a decisão do Supremo que, em fevereiro daquele ano, por 7 votos a 4, estabeleceu que era possível ocorrer a prisão antes da condenação definitiva (trânsito em julgado).

Em fevereiro daquele ano, foi derrubada outra medida que Lewandowski tomara durante o recesso do Judiciário. A ministra Cármen Lúcia cassou liminar concedida pelo presidente do STF, que, durante o plantão, determinara o retorno de Maurício Borges Sampaio à titularidade de um cartório em Goiânia (GO), contrariando duas decisões do CNJ, que afastara Sampaio da função.

A decisão de Lewandowski não levou em consideração o fato de que o relator, ministro Teori Zavascki, havia negado pedido de liminar, e que o Procurador-Geral da República recomendara o não conhecimento do mandado de segurança impetrado.

Em julho de 2014, também durante o recesso, Lewandowski concedeu liminar determinando que Mário Hirs e Telma Britto, ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia, retornassem à Corte estadual, da qual haviam sido afastados por decisão do colegiado do CNJ.

O relator do caso, ministro Roberto Barroso, havia negado pedido dos dois magistrados para suspender a decisão do Conselho.

Os dois magistrados foram recebidos no tribunal com foguetório, na presença de autoridades estaduais e municipais.