Pedido de punição para 11 membros da força-tarefa no Rio gera 1.500 protestos

Um documento com 1.500 assinaturas, colhidas até esta terça-feira (3) entre membros do sistema de Justiça, manifesta preocupação com o pedido de demissão de onze procuradores da República que integraram a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.

O pedido foi formulado pelo corregedor nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, por suposto vazamento de informações sigilosas. O corregedor é promotor de Justiça do MP do Rio Grande Norte e foi procurador-geral de Justiça naquele estado.

O procedimento disciplinar foi instaurado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a partir de reclamação dos ex-senadores Romero Jucá e Edison Lobão –e de seu filho Márcio Lobão, denunciados sob acusação de corrupção. (*)

Na manifestação, procuradores da República, promotores estaduais, defensores públicos, advogados, auditores de Contas e membros do Judiciário afirmam que a punição “enfraquece as instituições democráticas e constitui mais uma tentativa de calar o Ministério Público”. Consideram “necessário que a questão seja apreciada pelo plenário sob o viés estritamente jurídico e técnico”.

O documento reúne membros de todos os ramos e de todas as regiões do Ministério Público da União, e membros dos Ministérios Públicos de todos os estados.

Inicialmente, o corregedor pediu a suspensão dos procuradores por 30 dias. Depois, acolheu parecer de André Bandeira de Melo Queiroz, membro auxiliar da corregedoria, e  agravou a punição para demissão.

O pedido atinge os procuradores da República José Augusto Simões Vagos (procurador regional), Eduardo El Hage, Fabiana Schneider, Marisa Ferrari, Gabriela Câmara, Sérgio Luiz Dias, Rodrigo da Costa e Silva, Stanley Valeriano da Silva, Felipe Leite, Renata Baptista e Tiago Martins.

A força-tarefa foi desfeita no final do ano passado por iniciativa do procurador-geral da República, Augusto Aras. No início do ano, Aras determinou que os procuradores fossem incorporados ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

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Eis a íntegra do documento:

Em defesa da independência funcional e da publicidade das ações do Ministério Público

Os membros do Ministério Público, da Magistratura, defensores públicos, advogados, auditores de contas, auditores-fiscais, integrantes de outras carreiras de Estado e representantes da sociedade civil, abaixo subscritos, acompanham com atenção a notícia de que o Corregedor Nacional do Ministério Público decidiu pela instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar em face de 11 (onze) membros do Ministério Público, ex-integrantes da Força-Tarefa no Rio de Janeiro.

Segundo noticiado, o procedimento visa apurar conduta de divulgação de ajuizamento de denúncias que imputaram crimes de corrupção aos ex-parlamentares Romero Jucá e Edison Lobão, por meio do portal da assessoria de comunicação institucional.

A instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, na forma sugerida pelo Corregedor Nacional do Ministério Público, pela publicização em site oficial de ação penal, pública por força constitucional, enfraquece as instituições democráticas e constitui mais uma tentativa de calar o Ministério Público, sendo por isto necessário que a questão seja apreciada pelo Plenário sob o viés estritamente jurídico e técnico.

03 de agosto de 2021.

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Solidariedade de subprocuradores-gerais

Na véspera, cerca de 40 subprocuradores-gerais da República –cargo mais elevado da carreira– publicaram manifesto em solidariedade aos membros do MPF do Rio de Janeiro.

Eles afirmam que eventual persistência do “rudimentar equívoco” divorciará o conselho nacional de sua destinação constitucional autêntica, ou seja, “zelar por um Ministério Público independente e comprometido com seus propósitos: aprimorá-lo em favor da sociedade, da República e da democracia, e não de poucos”.

Confira o manifesto:

Os Subprocuradores-Gerais da República abaixo,

Cientes da instauração de procedimento disciplinar contra onze membros do Ministério Público Federal que integraram a Força Tarefa Lava Jato no Rio de Janeiro, por determinação do corregedor nacional do Conselho Nacional do Ministério Público,

Sabendo que esta instauração motivou-se pela divulgação, em sítio do Ministério Público Federal, de denúncias por corrupção contra parlamentares,

Recordam que a divulgação da denúncia – petição inicial da ação penal pública incondicionada – objeto da reclamação apenas instrumentalizou, ordinariamente, os deveres de publicidade e informação, reclamados nos Estados de Direito, que são a fiel expressão do princípio republicano a que todos os órgãos públicos devem observar, por prestarem contas de seus atos à cidadania e exporem-se ao controle mediante os mecanismos próprios;

E ainda enfatizam que, tanto quanto o dever constitucional de publicidade impõe-se por inafastável apreço à República, o de sigilo confina-se às hipóteses de resguardo de dados e intimidades da vítima – e não do acusado – ou de estrito interesse da instrução processual.

Além disso, o CNMP, por sujeitar-se à Constituição, não pode abstrair seu art. 130-A–§2º–I, que lhe impõe zelar pela autonomia funcional – e portanto prestigiar a Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal –; e o art. 130-A–§2º–III, que o autoriza a receber reclamações sem prejuízo da competência correcional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso – a evidenciar, mais uma vez, que se deve primar pela atuação prioritária dos ramos.

A ofensa a estas premissas inalienáveis – alertam os subscritores – constitui rudimentar equívoco, cuja eventual persistência divorciará o Conselho Nacional de sua destinação constitucional autêntica de zelar por um Ministério Público independente e comprometido com seus propósitos: aprimorá-lo em favor da sociedade, da República e da democracia, e não de poucos.

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Divulgação seguiu praxe da PGR, dizem procuradores

Quando a punição foi anunciada, em julho, os procuradores divulgaram nota sustentando que o pedido de demissão “tem efeito deletério que transcende a injustiça do caso concreto, devendo ser acompanhado de perto pela sociedade e por todo Ministério Público brasileiro”.

Afirmaram que “a modificação da penalidade sugerida para outra consideravelmente mais gravosa” foi realizada sem a apresentação de qualquer fato novo ou de fundamentação mínima, em que pese a exigência constitucional de fundamentação das decisões”.

Revelaram que as informações “foram divulgadas por meio oficial (assessoria de comunicação do MPF) e limitaram-se a dar publicidade a fatos que já eram públicos, em razão de integrarem a formal acusação contra os réus; esses fatos, inclusive, já haviam sido objeto de publicação na imprensa, em razão de denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República, em relação a outros denunciados”.

Ainda segundo os procuradores, “um dos dados considerados sigilosos e que teriam sido supostamente vazados pelo MPF seria o valor da propina paga aos agentes públicos, o que, por óbvio, é uma informação de relevância social sobre a qual jamais deve recair qualquer tipo de sigilo”.

Leia a íntegra da nota dos procuradores do Rio de Janeiro:

1- A proposta de abertura de PAD pelo corregedor, contra os membros da extinta Força-Tarefa do Rio de Janeiro, ainda não foi apreciada pelo Plenário do CNMP;

2- Todas as denúncias que comportam matéria de interesse público são de regra publicizadas desde sempre por todo MP brasileiro, e é interesse da mídia e da sociedade ter conhecimento do seu conteúdo; a divulgação, no presente caso, não fugiu da praxe de divulgação de outros casos por todos os ramos do MP no Brasil, incluindo as divulgações da própria PGR;

3- De fato, a juíza do caso afirmou de forma peremptória que “não houve decretação de sigilo pelo Juízo nos autos dos processos nº 5014916-47.2021.4.02.5101 e 5014902-63.2021.4.02.5101, tampouco houve pedido do Ministério Público Federal nesse sentido” e que “a menção à manutenção de sigilo na decisão de recebimento da denúncia se deu única e exclusivamente como forma de dar efetividade à medida cautelar de indisponibilidade de bens, não havendo na inicial acusatória qualquer dado ou informação de natureza sigilosa que exigisse algum nível de sigilo, dada a natureza pública das ações penais”;

4- Apesar disto, sem qualquer justificativa ou fato novo, e sem analisar as informações prestadas pela juíza, a respeitável decisão proferida pelo Exmo. Sr. Corregedor Nacional em 15 de julho de 2021 retificou de ofício, e apenas para os membros do Ministério Público Federal Reclamados, a penalidade sugerida anteriormente – a conversão da pena de demissão, por proporcionalidade, em suspensão por 30 dias – para pena de demissão sem conversão.

5- A modificação da penalidade sugerida para outra consideravelmente mais gravosa, ou seja, a demissão de onze membros do Ministério Público Federal, foi realizada sem a apresentação de qualquer fato novo ou de fundamentação mínima, em que pese a exigência constitucional de fundamentação das decisões.

6- As informações foram divulgadas por meio oficial (assessoria de comunicação do MPF) e limitaram-se a dar publicidade a fatos que já eram públicos, em razão de integrarem a formal acusação contra os réus; esses fatos, inclusive, já haviam sido objeto de publicação na imprensa, em razão de denúncia oferecida pela PGR, em relação a outros denunciados, no bojo do Inquérito 4326/STF;

7- Por exemplo, um dos dados considerados sigilosos e que teriam sido supostamente vazados pelo MPF seria o valor da propina paga aos agentes públicos, o que, por óbvio, é uma informação de relevância social sobre a qual jamais deve recair qualquer tipo de sigilo;

8- Diante desse cenário, a abertura de PAD em face de membros do Ministério Público, com proposta de demissão, por divulgar, nos canais institucionais, ações penais públicas, tem efeito deletério que transcende a injustiça do caso concreto, devendo ser acompanhado de perto pela sociedade e por todo MP Brasileiro.