CNJ mantém punição de desembargador que soltou maior traficante de São Paulo
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) manteve nesta terça-feira (3) decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que aposentou compulsoriamente o desembargador Otavio Henrique de Sousa Lima.
Em setembro de 2016, o Órgão Especial do TJ-SP afastou compulsoriamente o magistrado, acusado de soltar Welinton Xavier dos Santos, o “Capuava”, considerado o maior traficante do estado, preso em 2015 durante operação que apreendeu 1,6 tonelada de cocaína e forte armamento.
Sousa Lima não era o juiz natural da causa e teve questionadas várias decisões proferidas em plantões.
Por nove votos a três, o colegiado acompanhou o relator, ex-conselheiro Márcio Schiefler, que mantinha a punição por entender que o desembargador não trouxe novas informações ao processo.
A divergência foi aberta pela conselheira Candice Jobim, que votou pela indisponibilidade do magistrado, punição menos grave. Ficaram vencidos também os conselheiros Flávia Pessoa e Emmanoel Pereira.
Nesta terça-feira, o conselheiro Luiz Fernando Keppen abriu seu voto-vista com a leitura de trecho de documento juntado aos autos pela defesa, em que o Ministério Público do Estado de São Paulo pede o arquivamento de procedimento criminal instaurado para apurar se o magistrado recebeu valores para deferir liminares em favor de traficantes de drogas.
Parecer do MPSP concluiu que, “neste momento não foram colhidos elementos de convicção suficientes de indícios de que o investigado [Sousa Lima], ao tempo dos fatos desembargador do TJ-SP, tenha recebido vantagens indevidas para fins de conceder habeas corpus nos plantões”.
“Não obstante, afirmou Keppen, “o próprio documento ressalva que havia valores não suficientemente justificados”.
O conselheiro lembrou que, em casos semelhantes no CNJ, “os votos vencedores nos processos administrativos disciplinares não se fundamentam no recebimento de vantagens indevidas recebidas, mas no benefício indevido aos pacientes em decisões que desconsideram a prudência essencial à atividade judicial”.
Suspeita de improbidade
Em julho de 2018, consultado pelo Blog, o MP-SP informou que nada havia na esfera criminal contra o desembargador. Segundo a assessoria de imprensa, o órgão investigava eventual cometimento de ato de improbidade administrativa. O procedimento corria em sigilo e o MP-SP aguardava informações solicitadas ao CNJ.
Em outubro de 2019, o MP-SP ajuizou ação de improbidade, oferecida pelo então procurador-geral Gianpaolo Poggio Smanio, diante da suspeita de violação aos princípios administrativos. A ação tramita na 14ª Vara de Fazenda Pública, cujo titular é o juiz Randolfo Ferraz de Campos.
Sousa Lima se insurgiu contra acórdãos do TJ-SP que resultaram na aplicação da penalidade de aposentadoria compulsória. O processo administrativo disciplinar foi instaurado no tribunal paulista a partir de notícia veiculada pelo O Estado de S. Paulo.
Segundo o jornal, o então secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, atual ministro do STF, disse que “Capuava” era o maior traficante de São Paulo e o resultado da operação era um duro golpe contra o crime organizado.
Durante a sessão em que foi aberto o processo disciplinar, o desembargador José Renato Nalini afirmou que “foi apreendida cerca de uma tonelada e meia de ‘cocaína’ pura, exatos 1.623 kg! Não bastasse, exatos 898,95 kg de insumos, produtos químicos variados e destinados, precipuamente, para o preparo da substância maldita, ‘cocaína’! E não bastasse, dentre as armas de fogo de elevado potencial letal, fuzis que poderiam derrubar helicópteros!”
O processo foi julgado um ano depois. Ao votar pela aposentadoria compulsória, o desembargador Ferraz de Arruda (relator) disse que não é absoluta a regra da Lei Orgânica da Magistratura que impede a punição de juízes pelo teor de suas decisões.
De acordo com Arruda, o colega “forçou a barra” e demonstrou “predisposição” de ajudar os suspeitos ao assinar habeas corpus em plantões judiciários, vários dias depois das prisões, quando os processos já estavam nas mãos de outro relator. Mesmo se não agiu de forma intencionada, a conduta caracteriza negligência (conforme a Resolução 135/2011) e viola o dever de prudência fixado pelo Código de Ética da Magistratura.
“Capuava” foi preso com outros quatro homens em uma propriedade na zona rural de Santa Isabel, na Grande São Paulo. Segundo a imprensa noticiou, policiais do Departamento de Narcóticos (Denarc) apreenderam 1,6 tonelada de cocaína pura, 898 quilos de produtos para misturar a droga, quatro fuzis e uma pistola automática. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, foi a maior apreensão de drogas feita no país em 2015.
Ainda de acordo com o noticiário, foi pedido habeas corpus para todos os integrantes da quadrilha, mas apenas “Capuava” foi beneficiado. Sousa Lima considerou que as provas apresentadas pela polícia eram frágeis.
Outro lado
Na ocasião, o advogado Marcial Herculino de Hollanda Filho, defensor de Sousa Lima, alegou que o desembargador só soube de alguns fatos sobre “Capuava” por meio da imprensa, quando já tinha determinado a soltura do suspeito, que fugiu dias depois.
O advogado sustentou que, quando o desembargador concedeu a liminar, o quadro apresentado não era o relatado depois pela imprensa.
Ele disse que as informações trazidas ao magistrado indicavam que “Capuava” tentava comprar um sítio, quando foi abordado pelos policiais a um quilômetro de distância do local onde era fabricada a droga, tendo sido então conduzido ali pela polícia. E que, nos antecedentes do preso, havia uma condenação de 20 anos atrás.
“O desembargador entendeu que, naquele contexto, não havia nos autos indícios suficientes para que ele permanecesse preso”, disse o advogado.
(*) Processo 1052647-29.2019.8.26.0053