Além do convite, desembargador vê ameaça na ‘parada da impunidade’
O artigo a seguir, sob o título “A parada da impunidade“, é de autoria de Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. (*)
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Não estamos em sete de setembro. No entanto, houve parada militar, na Capital brasileira.
A jornalista Eliane Cantanhede informa que o desfile de carros de combate das Forças Armadas pelas avenidas brasilienses – realizado logo antes de votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da PEC 135/2019, relativa à controversa questão da impressão dos votos eletrônicos – teria sido determinado por Jair Bolsonaro.
Essa informação desmente a nota emitida pela Marinha, segundo a qual, a exibição não teria relação com a votação, muito embora, inédita, no sentido de contar com a “a participação de meios do Exército e da Força Aérea, de modo a incrementar a interoperabilidade das Forças Armadas do País”.
As Forças Armadas, como se sabe, estão submetidas ao comando do Chefe do Poder Executivo, que realiza as políticas públicas atinentes à segurança por meio do Ministério da Defesa. Esse Ministério, por sua vez, é criação recente da história constitucional brasileira, voltado a unificar tais políticas, e a implementar o comando civil das Forças Armadas, a exemplo do que ocorre nas democracias contemporâneas.
Os ministros da Defesa foram civis empenhados em desenvolver a missão e as funções importantes da Pasta, até que, com o advento do atual governo, três generais ocuparam a função. O atual foi o responsável pelo envio ao presidente da Câmara dos Deputados do aviso de que, no caso de não ser aprovado o voto impresso, não haveria eleição em 2022 – como noticiaram as jornalistas Andreza Matais e Vera Rosa.
Ao se justificar e negar o envio do aviso, disse o ministro, em nota oficial, que não se comunicaria por intermediários e que as Forças Armadas não romperiam com a democracia.
O ministro da Defesa, por um lado, cometeu ato que deveria ser investigado e punido como crime de reponsabilidade, e, por outro, arvorou-se em porta-voz das Forças Armadas, quando sua função é de mero executor de políticas públicas determinadas pela Constituição.
O presidente da Câmara dos Deputados não tomou a atitude constitucional que deveria, ao ter recebido o recado. Limitou-se a visitar o Chefe do Executivo, dizendo que não participaria de ruptura democrática.
Em outros termos, apenas respondeu ao recado, parecendo tê-lo interpretado mais como convite do que como ameaça. O Presidente da República não exonerou seu ministro. Pudera, esse apenas repetia recado decorrente de manifestações públicas semelhantes do Chefe do Executivo. Nenhuma atitude foi tomada seja pelo Procurador-Geral da República, seja por qualquer outra autoridade, inclusive o presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
O desfile das Forças Armadas por Brasília constitui a permanência do recado, do convite, da ameaça.
Um ato inconstitucional, que decorre da impunidade dos que, desde a fundação do Brasil, abusam dos poderes que o povo, bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que isso significa, ainda acredita, seriamente, assistindo como desprezado espectador, consistir em apenas mais uma parada.
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(*) O autor é Doutor em Filosofia da USP; Titular da Cadeira San Tiago Dantas e presidente da Academia Paulista de Direito.