Supremo tem funcionado como guardião da impunidade, afirma juiz aposentado
Sob o título “Ditadura Togada”, o artigo a seguir é de autoria de Danilo Campos, juiz aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
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Sobre a prisão de Roberto Jefferson, por cuja atuação política nutro profunda repugnância, venho manifestar publicamente o meu repúdio e indignação contra a atuação do STF, que para mim constitui ato de verdadeiro terrorismo de Estado.
Eu poderia falar com a autoridade de um dos mais antigos combatentes dessa ditadura togada, porque nos meus quase trinta anos de magistratura sustentei diversas denúncias contra as cúpulas judiciárias, denúncias estas que ainda hoje, tantos anos depois, repercutem na imprensa como se vê de matéria na Folha “Controles tolerantes e falta de transparência estimulam a impunidade no Judiciário” (10 de agosto de 2021).
Entretanto, porque contra fatos não há argumentos, eu vou me ater aos fatos invocando o precedente recente do julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro, rotulado pelo ministro Gilmar Mendes como chefe da lava-jato, operação que recebeu dele a imputação de esquadrão da morte, que abrigaria “cretinos, desqualificados, covardes e gângsteres”.
Assim, o leitor poderá avaliar, por conta própria, quem, entre estes atores da cena judicial, realmente faz por merecer tais qualificativos.
A síntese que se extrai daquele julgamento é que o juiz é um órgão de controle, que não poderia de nenhum modo embaralhar sua atuação à do Ministério Público, mesmo que este seja também Estado e portanto, por natureza, desinteressado na causa, porque não se concebe que possa o promotor acusar por simples prazer ou deleite, ou cometeria um crime.
Se as coisas são assim como afirma Gilmar Mendes, com muito mais razão não poderiam os ministros do Supremo fazer embaralhar nas mesmas pessoas as funções de vítima, investigador, acusador e juiz, contrariando as premissas de seu próprio julgamento, com a agravante que, ao contrário de Sergio Moro, que agiu aparentemente no interesse de fazer prevalecer seu senso de justiça contra as maquinações do próprio Supremo, agem os ministros em causa própria, sendo eles os ofendidos.
Cabe lembrar nesse passo que pela jurisprudência consagrada do próprio Supremo a crítica das autoridades ainda que feita impiedosamente não constituiria nenhum ilícito.
Assim, pelo menos no que diz respeito à imputação de Roberto Jefferson, que o STF estaria se convertendo numa organização criminosa, não vejo como acusá-lo, porque o crime de prevaricação cometido dentro de uma organização como é o Supremo impõe esta qualificação literal.
No tocante à acusação contra Jefferson de atentar contra a democracia, constato que ela parte de um conceito ou preconceito sobre a própria pessoa do acusado, tido como um pária da democracia, pelo que cabe lembrar que a filosofia do direito assentou desde Aristóteles que não cabe ao juiz fazer julgamentos com a régua da moral, até porque ninguém sabe se a moral do juiz é superior à da pessoa por ele julgada.
Por isto, invocar-se superioridade moral para submeter-se alguém às suas vontades não é ato de um juiz, mas de um covarde, é simples terrorismo, que conceitualmente é a imposição da vontade pela força.
Dizendo isto eu não estou pretendendo passar pano em todos os eventuais crimes de Roberto Jefferson, estou relembrando apenas as lições do falso moralista Gilmar Mendes, de que o combate ao crime não justifica o cometimento de outros crimes.
Na verdade, o que se assiste, é que o Supremo rotineiramente faz interpretação da lei segundo critérios de conveniência e oportunidade, usurpando assim um poder político que não tem, porque a Constituição é clara ao afirmar que o poder propriamente político emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos, o que não é o caso dos juízes.
Assim, em face dos termos precisos da Constituição federal que reza que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, a interpretação que subvertendo o direito dá ao Supremo o poder de submeter o cidadão, retirando dele a garantia constitucional do juiz natural, é simplesmente um atentado a ordem jurídica, clamando pela intervenção do Senado Federal, a quem compete promover a responsabilidade dos ministros do STF.
Outra questão a resolver em face da acusação a Roberto Jefferson é saber quem deu ao Supremo o papel de guardião da democracia. Na minha opinião o Supremo tem funcionado verdadeiramente é como guardião da impunidade nacional.
O livramento de Collor e Dilma após seus respectivos impeachments e agora o de Lula no tapetão não são para mim nenhuma coincidência. Mais de cem anos de absoluta impunidade dos políticos no período republicano atestam esta verdade.
Então, se respeito é coisa que não se impõe, porque é conquistado naturalmente e não no grito, de nada adianta vir agora o Supremo agir na truculência, porque isso só o faz mais desacreditado do que já está.
Por fim, só me resta dizer, que não é papel das Forças Armadas resolver este conflito entre os políticos togados e os políticos profissionais, porque, se em última instância o poder pertence ao povo, é ele quem tem que chamar a si esta responsabilidade e o modo de fazê-lo é convocando-se uma nova constituinte que, excluindo os políticos profissionais de sua composição, restaure a ordem e ponha fim à baderna.
Intervenção popular já!