Juiz é removido porque cedia certificado digital e levava água do fórum para casa

Ilustração
Frederico Vasconcelos

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo puniu com remoção compulsória o juiz Antônio Marcelo Rímola, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera, na zona leste da capital.

Em julho de 2020, a corte instaurou processo disciplinar contra o magistrado porque ele não comparecia regularmente à vara e, “todas as vezes que ia ao fórum, ao sair passava na copa e enchia a mochila com garrafas de água”, segundo revelou o corregedor-geral, desembargador Ricardo Anafe.

O fato inusitado de um juiz levar água do fórum para casa repercutiu mais do que outra infração, considerada mais grave, cometida pelo magistrado.

Segundo a corregedoria apurou, muitos dos atos praticados nos processos foram delegados a servidores, que assinavam com o cartão do juiz.

O relator, desembargador Ferreira Rodrigues, afirmou que ficou provado o uso do certificado digital de Rímola por escreventes, segundo informa Tábata Viapiana, no Conjur.

“A cessão de certificado digital, com login e senha, para uso de terceiros sem a presença do magistrado, sem a devida conferência, configura infração de natureza grave”, disse o relator.

O presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco afirmou: “Uma coisa é entregar o cartão, após conferir a decisão, a um servidor que está ao seu lado apenas para agilizar a assinatura, sob a supervisão do magistrado. Outra coisa, e essa é a hipótese dos autos, é entregar o cartão e permitir que o servidor faça uso sem supervisão e sem conferência dos atos.”

Os dois votos sugerem que a entrega do certificado digital para um assistente assinar é uma prática comum nos tribunais, e que seria legitimada quando há conferência.

Abastecimento de água

O fato de o juiz levar água para casa foi levantado a partir de representação formulada por juízes do fórum, e mereceu comentários jocosos nas duas sessões do Órgão Especial.

“O tribunal não tem ainda ‘auxílio d’água’”, disse o corregedor, quando foi aprovada por unanimidade a instauração do processo administrativo. Anafe rejeitou a defesa prévia de Rímola.

“Em todos esses anos que tenho passado no Órgão Especial, tivemos muitas surpresas ruins de infrações cometidas por magistrados. Mas, neste caso, não poderia deixar de dizer que seria cômico, se não fosse trágico”, afirmou o desembargador Ferraz de Arruda.

“Onde já se viu levar garrafa de água para casa? Duzentos e quarenta garrafinhas, chega ao ponto do ridículo”, disse Arruda.

Na sessão de julgamento, Pinheiro Franco disse que “a questão da água é jocosa e desmoraliza os magistrados da Vara”.

“Fiz uma conta rápida: há relatos de que ele levava 14 garrafas de água para casa por dia, ou seja, 280 por mês e 3.400 ao ano. Isso é mais que jocoso, principalmente porque se trata de dinheiro público. O fato é de uma gravidade ímpar”, afirmou Pinheiro Franco.

Para o relator, ficou configurada a violação ao dever funcional de manter conduta irrepreensível na vida pública e privada, ainda que não seja possível aferir o número exato de garrafas de água que o magistrado consumia ao longo do dia.

“Embora o magistrado entenda exagerada a imputação, esse comportamento desborda dos padrões de normalidade, não só pelos relatos das testemunhas de mais de 14 garrafas por dia, enquanto os demais juízes obedeciam ao limite de três garrafas diárias imposto pela direção do fórum, mas também porque o abastecimento dos gabinetes depende do comedimento no consumo. O magistrado contribuiu para o aumento do consumo de água no fórum e isso é algo que desmoraliza a magistratura”, disse.

“Não há como dizer que eventual aumento do consumo de água no fórum tenha sido causado por qualquer atitude do magistrado”, afirmou o advogado do juiz, Marco Antônio Parisi Lauria.

A defesa negou a delegação de atos próprios e o fornecimento do certificado digital a servidores do gabinete.