Prisão de Jefferson e distopia contagiosa
Sob o título “Distopia contagia; a prisão de Roberto Jefferson“, o artigo a seguir é de autoria de Celso Três, procurador da República em Novo Hamburgo (RS).
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Notório, por todos os meios, comunicação social, internet, manifestações diretas ao público, que Roberto Jefferson, sanha da defesa do presidente Jair Bolsonaro, fez-se fanático pregador do golpe de estado, ruptura da democracia, alvos as autoridades quem intentam correicionar o Chefe da Nação ou seus aliados no poder, especialmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, aos quais ele impinge os mais abjetos ataques.
Direito fundamental de soberania da cidadania, impõe a Constituição (art. 5º, XLIV): “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
A pregação de golpe, linchamento moral do STF, está legitimamente criminalizada (Lei nº 7.170/83). De início, sempre é o verbo. Pregação faz a ação. Delitos os mais hediondos, a exemplo do racismo, cometem-se sob o pálio de liberdade da fala. Em 2020, este procurador da República requisitou inquérito à Polícia Federal em razão da entrevista de Roberto à rádio Gaúcha.
Jefferson incurso no rumoroso inquérito aberto pelo próprio STF, objeto indeterminado, tudo que atinja a Suprema Corte.
Mesmo que pela Constituição/1967 o regimento interno do STF tenha status de lei, nunca esteve o de investigar delitos em geral, tampouco pessoas sequer sob seu foro, apenas poder de polícia ‘stricto sensu’ nas suas dependências.
Tanto é verdade que, sendo o STF anterior ao próprio Brasil independente, 1808, vencidos dois séculos, inexistem precedentes desta práxis. Disso, vicejam disfunções. “Bolsonaristas da CPI reclamam de artigo, e Polícia do Senado abre investigação contra colunista da Folha” (Folha de S.Paulo, 25/05/2021).
Além de incompetente, eis que Roberto não ostenta cargo com foro especial, ministro Alexandre de Moraes, simultaneamente, é vítima, ofendido pelos ataques, investigador e juiz.
Vedado ao magistrado decretar prisão sem pedido da acusação (art. 311 do CPP). Augusto Aras não requereu. Investigações a cargo do STF, a presidência é do respectivo ministro. Polícia Federal executa ordens, não preside a apuração. Assim, não tem legitimação a pedido de prisão, deduz sugestão a ser examinada pelo Ministério Público.
Alexandre de Moraes, sem especificar, enquadrou no delito de denunciação caluniosa eleitoral. Sabidamente de prevalente competência sobre a Federal, tudo iria à Justiça Eleitoral, ou seja, alheio à procuradoria da República. Quadro típico do abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19).
Roberto Jefferson não é desqualificado. É inqualificável. Contudo, o devido processo legal tem justamente ele, não os escorreitos, por destinatário.
França, luz do mundo, diz sua Constituição sobre o presidente da República:
‘Não pode, durante o seu mandato e perante nenhum órgão jurisdicional ou autoridade administrativa francesa, ser convocado a depor, bem como ser objeto de uma ação, um ato de informação, de investigação ou de acusação.’
Mesmo que sem esta clareza, a práxis judiciária das nações desenvolvidas é igual.
Intentar persecução contra o Chefe da Nação quando no exercício do mandato atenta contra o próprio país.
No contexto mundial, qual a respeitabilidade terá quem os próprios compatriotas querem vê-lo na cadeia? EUA, Trump teve auxílio dos russos quando da eleição, ataques à Hillary, finalizando mandato com tentativa de golpe, invasão do Capitólio. Sequer diretor de Hollywood imaginaria.
França, Sarkozy responde agora à persecução. Espanha granjeou abdicação do rei Juan Carlos em face de contas na Suíça.
Internamente também, sendo o Brasil prova irrefutável. Desde Dilma Rousseff, passando por Michel Temer e agora Jair Bolsonaro, somos reféns da página policial. Colhemos apenas retrocessos!
Na economia, empresas quebradas e desemprego, na democracia, violência institucional e cerceamento das liberdades. Eleição de Jair Bolsonaro igualmente decorre desta distopia, ex-juiz Sergio Moro como ministro da Justiça a personificação dessa realidade.
Corregedor do Presidente posto pelo povo é deposto apenas pelo Parlamento, também eleito. Assim, o procurador-geral Augusto Aras regra-se pela autocontenção, evitando persecução contra Jair Bolsonaro.
Porém, desde a bizarrice de postar ‘golden shower’, vídeo de pessoa urinando sobre outra (Folha de S. Paulo, 06/03/2019), passando por atentados reincidentes ao estado democrático, escarnecendo e catapultando tragédia da Covid/19, presidente Jair Bolsonaro passa também a debochar do próprio procurador-geral da República, dada sua inação.
Ou seja, Augusto Aras peca pela tibieza.
Padece do desassombro de, consoante argumentos sólidos aqui exarados, apontar os malefícios em banalizar persecução contra presidente da República, dados os desastrosos efeitos colaterais à Nação brasileira.
De outra face, Aras titubeia na investigação dos graves desvios do Presidente, esses sim profundamente lesivos ao Brasil e de inadiável persecução:
a) tal qual Roberto Jefferson, golpismo, ataques ao estado democrático, reincidente pregação de golpe, fomento aos atos antidemocráticos, ameaça às eleições sob o pretexto do voto eletrônico, simbólica manobra militar na praça dos poderes em desafio às instituições;
b) desassistência, prevaricação chegando ao escárnio de imperiosas medidas no combate à Covid/19, causa que majorou o recorde de mortes a mais de meio milhão dos irmãos brasileiros.
Distopia, do grego, lugar ruim, opressão, castração das liberdades públicas, lembrando a literatura distópica, hoje em voga George Orwell, “1984”.
Essa distopia, descompensação institucional, é contagiosa, comprometendo a higidez dos Poderes, incluído o Ministério Público e o Judiciário, a partir, e infelizmente, da distopia de Jair Bolsonaro.