Alvo de golpe virtual, juiz é processado por bloquear contas de estelionatário

A Justiça do Trabalho julga, nesta terça-feira (24), processo administrativo disciplinar contra o juiz Maximiliano Carvalho, de Brasília, acusado de abuso de poder. Dizendo-se enganado na internet por um vendedor de equipamentos para gelar cervejas, o magistrado usou o BacenJud para bloquear as contas bancárias do estelionatário.

O procedimento foi instaurado em setembro de 2020 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10a. Região (Distrito Federal e Territórios).

O relator do caso, corregedor Alexandre Nery de Oliveira, viu tentativa de o magistrado “fazer justiça com as próprias mãos”, para satisfação pessoal. Os membros do TRT-10 entendem que o episódio colocou em xeque a credibilidade da Justiça.

Na defesa prévia, o juiz não negou o bloqueio. Alegou que agiu em legítima defesa. Ele estava presente na sessão de julgamento. [veja abaixo]

Para Oliveira, o estelionatário “não era parte em qualquer processo na Justiça do Trabalho”.

O relator definiu a conduta do juiz como “absurda e desregrada”, mesmo sendo ínfimo o valor bloqueado [R$ 1.500,00]. A atuação do juiz “compromete a dignidade do cargo”, afirmou o corregedor.

O desembargador Grijalbo Coutinho afirmou que o juiz  deu “uma carteirada institucional”. O desembargador Ricardo Machado viu “uso pessoal do BacenJud e burla do sistema”, com “nítido constrangimento ao perseguido”.

Membros do TRT-10 observaram que a Justiça do Trabalho não tem competência criminal, e o juiz não poderia atuar como policial.

Carvalho foi juiz do Trabalho em Porto Velho. É pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília.

OUTRO LADO

A defesa do juiz Maximiliano Carvalho foi feita em sustentação oral pelo advogado Antonio Alberto do Vale Cerqueira, na sessão de setembro de 2020.

Cerqueira afirmou que “esse caso é extremamente peculiar”, e que o voto do relator está “equivocado”. Disse que, antes de fazer o bloqueio, o juiz procurou uma delegada de polícia, ficando convencido de que “não havia nada que pudesse fazer”, diante de centenas de  golpes na internet.

O defensor lembrou que a Justiça do Trabalho tem 31 mecanismos de bloqueio patrimonial e de busca de bens. “São mecanismos radicais”, mas “o juiz bloqueou exatamente o valor do golpe de que foi vítima, e não fez pedido de transferência”.

O valor da ordem foi de R$ 1.500,00. O valor do bloqueio, imediatamente liberado, foi de R$ 10,00.

“Ele agiu no estrito exercício da legítima defesa”, disse Cerqueira.

Segundo o advogado, o juiz tinha certeza de que, uma vez bloqueado o valor na conta do criminoso, “esse ato poderia frear a ação de uma organização criminosa”.

A defesa do juiz identificou extensa ficha policial do golpista, incluindo roubo a mão armada.

“É inafastável a ideia de legítima defesa. Não há lesados no caso; o povo não foi lesado, a respeitabilidade da Justiça do Trabalho não foi lesada”, disse o defensor.

“Se o caso foi inapropriado, é insuficiente para o julgamento concreto [no TRT-10]. Se matar em legítima defesa não é um ato ilícito, o magistrado, que é um agente político, mais do que qualquer outro tem o dever de zelar pela segurança pública’’, argumentou Cerqueira.

“Por que [o juiz] não pode entrar no sistema e pedir o bloqueio?”—perguntou, durante a sessão.

Cerqueira é conselheiro Seccional e presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF.

Obs. Com acréscimo de informação em 24/8.