Tribunal aposenta juiz acusado de abuso por bloquear contas de estelionatário
A Justiça do Trabalho aplicou a pena de aposentadoria compulsória ao juiz Maximiliano Carvalho, de Brasília, acusado de abuso de poder ao bloquear as contas de um estelionatário que lhe aplicara um golpe virtual. Cabe recurso da decisão.
Em sessão plenária extraordinária no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Territórios], nesta terça-feira (23), o juiz recebeu nove votos pela punição mais grave e cinco votos pela disponibilidade por dois anos. O Ministério Público havia proposto censura, uma pena mais branda.
O relator do processo administrativo disciplinar, desembargador Mário Caron, afastou a ideia de “equívoco”. Disse que Carvalho cometeu “um ato ilícito”. “Usou ferramenta da magistratura em causa própria, para satisfação pessoal” [o bloqueio pelo BacenJud, feito sem autorização, em outra vara].
Sobre a alegação de arrependimento, Caron disse que o magistrado “viu o seu erro, mas não se propôs a fazer o cancelamento da ordem ilícita”. “O arrependimento parece que surgiu depois da descoberta [do bloqueio indevido]. Ele tinha conhecimento do motivo que o levou a fazer isso. É um absurdo.”
O relator votou pela disponibilidade. A divergência na dosimetria da pena foi aberta pelo desembargador João Amílcar Pavan.
O desembargador Pedro Foltran disse que o juiz agiu como uma espécie de receptador ao comprar pela internet um produto pela metade do preço [R$ 1.500 por uma cervejeira que custaria R$ 3.000], sabendo que esses preços não existem na realidade de um mercado seguro.
Defesa vê pena desproporcional
O advogado Antonio Alberto do Vale Cerqueira disse ao Blog que “a defesa respeita a posição do tribunal, mas vai recorrer”. Segundo ele, “a pena capital foi desproporcional”.
“Os desembargadores que votaram contra a aposentadoria compulsória revelaram uma dosimetria mais justa, mais correta. O relator reconheceu a gravidade do fato, mas votou pela disponibilidade”, afirmou Cerqueira.
Na sustentação oral, o advogado disse que a defesa construiu um bloco de testemunhas, todos juízes do Trabalho, que definiram Carvalho como um magistrado “sereno, calmo estudioso, preocupado com causas sociais e sem processos no tribunal”.
Disse que juntou aos autos a ficha criminal do jovem Gabriel [quem praticou o golpe virtual]. Segundo o advogado, ele responde, entre outros crimes, por tentativa de homicídio de policiais, tráfico de drogas, roubo e organização criminosa.
Reafirmou que o juiz consultara uma delegada, especializada em crimes cibernéticos, de quem ouviu, em síntese, “que 99% dos crimes desse perfil não são solucionados”.
Segundo o defensor, quando o juiz fez o pedido de bloqueio, “estava sob forte pressão psicológica”, pois sabia que seus dados continuariam à disposição dos criminosos. “O magistrado nunca abusou de autoridade, não agiu para receber uma vantagem indevida”.
O valor da ordem foi de R$ 1.500,00. O valor do bloqueio, imediatamente liberado, foi de R$ 10,00.
Na defesa prévia, o juiz não negou o bloqueio. Alegou que agiu em legítima defesa.
Em setembro de 2020, quando o TRT-10 decidiu instaurar o processo disciplinar, o corregedor Alexandre Nery de Oliveira disse que o magistrado tentou “fazer justiça com as próprias mãos”. Segundo Oliveira, o estelionatário “não era parte em qualquer processo na Justiça do Trabalho”.
O desembargador Grijalbo Coutinho afirmou que o juiz deu “uma carteirada institucional”. O desembargador Ricardo Machado viu “uso pessoal do BacenJud e burla do sistema”, com “nítido constrangimento ao perseguido” [Gabriel].