TJ-SP informa ao CNJ julgamento sobre desembargador que alterou acórdãos
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, determinou o envio à Corregedoria Nacional de Justiça de cópia do acórdão de julgamento que resultou em processo disciplinar contra o desembargador Carlos Henrique Abrão, presidente da 14ª Câmara de Direito Privado.
Abrão foi acusado de alterar súmulas de julgamentos após a proclamação de resultado em sessão pública.
Pinheiro Franco afirmou em seu voto que se trata de “conduta que, em tese, constitui infração disciplinar com possíveis desdobramentos de tipicidade penal”. O presidente entendeu que houve “ato público modificado às escondidas”.
Nesta quarta-feira (25), por 22 votos a três, o Órgão Especial do TJ-SP decidiu abrir Processo Administrativo Disciplinar contra Abrão. Votaram pelo arquivamento os desembargadores Ferraz de Arruda, Aguilar Cortez e Elcio Trujillo.
Para apreciação conjunta da corte, Pinheiro Franco reuniu os autos digitais formados a partir de dois ofícios que lhes foram dirigidos pelo presidente da Seção de Direito Privado, desembargador Dimas Rubens Fonseca.
Fonseca relatou ao presidente informações documentadas que recebeu dos desembargadores Régis Rodrigues Bonvicino e Ligia Bisogni. Bonvicino noticiou ter sido alvo de pressões praticadas por Abrão.
Os fatos narrados por Bonvicino e Bisogni aconteceram na mesma sessão, no dia 2 de dezembro de 2020.
Nos dois casos, ainda segundo Pinheiro Franco, “em princípio, houve adulteração de julgamento e de documento público depois de encerrada a sessão, não por erro ou equívoco”.
O advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, defensor de Abrão, fez sustentação oral na sessão. Mariz afirma que não houve nenhum prejuízo para as partes.
“Não vejo nenhuma razão para a abertura de processo disciplinar, uma vez que, se houve alguma alteração da tira de julgamento [ata], essa alteração foi inócua, porque os julgamentos foram efetivamente repetidos”, disse Mariz.
Súmula modificada
A desembargadora Ligia Bisogni integrou a 14ª Câmara de Direito Privado até março de 2020. Por permuta, passou a compor 34ª Câmara. Ela foi convocada para a sessão de julgamento telepresencial de 2 de dezembro daquele ano, sob a condução de Abrão, quando seriam julgados recursos de que ela fora relatora, e um outro processo.
Bisogni informou com antecedência que sua participação na sessão teria início em horário subsequente ao início formal. Ela chegou mais tarde como previsto e como avisado.
Depois do ingresso da desembargadora na sessão, Abrão anunciou o julgamento dos embargos de declaração dos acórdãos de que ela fora relatora. Como não foi anunciado o julgamento de outro recurso que estava na pauta [o de nº 22, que era de conhecimento geral], Bisogni pediu esclarecimentos ao presidente da câmara.
Foi então informada de que o julgamento acontecera no início da sessão, antes de seu ingresso, quando foi substituída por outro magistrado. A desembargadora manifestou seu inconformismo à chefe do cartório da 14ª câmara.
Consta no voto de Pinheiro Franco: “Sem consultar qualquer dos presentes, o presidente da Câmara modificou a tira de julgamento daqueles embargos de declaração para fazer constar que o feito fora retirado de pauta para ser julgado na sessão seguinte, porque a 2ª desembargadora [Bisogni] se atrasara em 30 minutos para ingressar na sessão”.
Ainda Pinheiro Franco, no voto: “Está igualmente relatado no ofício que, com antecedência, a desembargadora informara o horário de sua chegada à sessão e obtivera confirmação dos processos de cujo julgamento participaria, nesses incluído o nº 22 da pauta”.
“Mesmo assim, os embargos de declaração foram julgados antes de seu ingresso e a tira de julgamento não refletiu a verdade dos fatos.” Pinheiro Franco afirmou em seu voto que, “não é caso de debater horário de início da sessão ou de ingresso da desembargadora Lígia Bisogni e menos ainda a modificação da composição da turma julgadora”.
“A representação está centrada na modificação da súmula de julgamento depois de encerrada a sessão”, disse.
“É inegável que os embargos de declaração constantes do item 22 da pauta daquela sessão foram expressamente julgados e rejeitados. Contudo, para contornar os questionamentos formulados pela desembargadora Ligia Bisogni, o presidente da câmara modificou a súmula de julgamento para fazer constar: “retirado de pauta, para ser julgado na sessão seguinte, porque a 2ª desembargadora entrou na sessão 30 minutos depois do início”.
O presidente do TJ-SP observou: “A publicidade dos atos judiciais praticados em sessão pública é imediata e não depende da publicação no DJE [Diário da Justiça Eletrônico]. Como resultado, ato público foi modificado às escondidas”.
Contraditório violado
Com relação aos fatos envolvendo o desembargador Régis Bonvicino, como este Blog registrou, Abrão havia determinado –monocraticamente– anular uma decisão agravada. Atuando como terceiro juiz na Câmara, Bonvicino discordou, por entender que haveria violação do princípio do contraditório, ao descartar a oitiva da parte recorrida.
O segundo juiz acompanhou a divergência. O resultado foi anotado pelo cartório na súmula de julgamento telepresencial. Poucas horas depois de encerrada a sessão, Abrão, sem jurisdição, redigiu novo voto, considerando prejudicado o recurso. Depois, solicitou aos pares que se manifestassem sobre o novo acórdão.
Bonvicino reafirmou que discordava de toda e qualquer alteração na súmula original. Ante a objeção apresentada por Bonvicino, o cartório tornou sem efeito a súmula alterada.
Sobre esses fatos, Pinheiro Franco registrou em seu voto: “A resistência do presidente da câmara em dar-se por vencido e, mais ainda, ver anulada sua decisão, gerou sequência de atos descompassados no processo”.
Ainda segundo o voto, Abrão “chegou ao extremo de modificar o conteúdo da tira de julgamento depois de encerrada a sessão, documento esse que é gerado pelo sistema informatizado e do qual deve constar o resultado do julgamento, tal como proclamado durante a sessão”.
“Não houve erro, passível de retificação. Houve inserção intencional de outra súmula de julgamento, dando por prejudicado recurso, que, na verdade, fora provido”.
Na avaliação do presidente do TJ-SP, “a conduta [de Abrão] traz à tona indícios consistentes de afronta à boa-fé dos julgadores, dos advogados e das partes”, e “compromete a confiança que se espera depositada no Poder Judiciário”.
Alegações do magistrado
Pinheiro Franco registrou que, em mais de uma oportunidade, Abrão “se refere a meras questões de formalismo processual e afirma dar prioridade para a celeridade e o resultado prático do processo, a sugerir que essas normas procedimentais tenham menor relevância, porque ligadas à forma e não ao conteúdo”.
Mas Pinheiro Franco rebate: “Contudo, as formas processuais previstas em lei e no Regimento Interno da Corte não constituem expressão de formalismo excessivo, nem fator de potencial retardamento da prestação jurisdicional. Ao contrário, exercem importante papel em assegurar a legalidade dos atos processuais e em conferir segurança a todos os que participam de processo judicial, tanto partes, quanto advogados, bem como aos integrantes da turma julgadora e da câmara”.
“Ao menos em tese, as condutas aqui descritas constituem afronta ao dever insculpido no artigo 35, inciso I (cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício), da Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, concluiu.