Homenagem e submissão a Aras em coletânea com aparência de bom direito
Mal o procurador-geral da República obteve, de um Senado subserviente e temeroso, os votos para a recondução é lançada a obra “Estado, Direito e Democracia – Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Augusto Aras”. [Editora Fórum]
Talvez por não se saber o que o homenageado realmente pensa sobre esses temas, e diante das omissões no primeiro mandato, um grupo de renomados juristas, admiradores e subalternos decidiu reunir em livro reflexões sobre “os assuntos mais caros ao professor Augusto Aras”.
Segundo os responsáveis pelo lançamento, a obra “conseguiu sintetizar o espírito do homenageado: é uma construção coletiva, aberta, sem dogmas ou restrições”.
“É um diálogo público, franco, honesto e com incomum profundidade intelectual”, dizem.
São organizadores do livro o ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e dois membros do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público): Carlos Vinicius Alves Ribeiro e Otávio Luiz Rodrigues Jr.
Ribeiro auxilia Aras na presidência do CNMP. Promotor de Justiça de Goiás, foi citado como forte candidato à vaga no Conselho Nacional de Justiça atualmente ocupada pela conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, ex-procuradora-geral de Justiça daquele estado.
Aras sinalizou que não reconduziria Ivana, 14 meses antes do final do mandato da conselheira.
Rodrigues Jr. é doutor em Direito Civil pela USP e mestre pela Universidade do Ceará. Chegou a ser cotado para ocupar a AGU no início do governo Bolsonaro. Foi assessor do então ministro Eunício Oliveira, no Ministério das Comunicações, e de Toffoli, quando o ministro assumiu o STF.
Outros conselheiros do CNMP escrevem no livro:
- O juiz Luciano Nunes Maia Freire faz “breves considerações sobre a história da ação popular no Brasil”.
- Sebastião Caixeta aborda a questão das manifestações públicas dos membros do Ministério Público. Trata da “necessidade de observância aos deveres funcionais do cargo”, “limites à liberdade de expressão” e “infrações disciplinares decorrentes do abuso do direito à livre expressão do pensamento e ao direito de crítica”.
- Valter Shuenquener de Araújo, ex-conselheiro do CNMP e atual secretário-Geral do CNJ, escreve sobre o estímulo à colegialidade e participação popular nos órgãos de controle: “Empoderamento maior das autoridades com poder sancionatório para a adoção de sistemas punitivos do modo independente”.
Toffoli e Aras têm em comum a reverência às Forças Armadas. O ministro diz que não houve golpe militar em 1964. O PGR diz acreditar numa “democracia militar”.
Não surpreende que o segundo artigo da obra seja “Ministério Público Militar. Forças Armadas e Democracia”. O autor é Antônio Pereira Duarte, procurador-Geral de Justiça Militar. Como anuncia o índice, Duarte faz uma digressão sobre o surgimento do Parquet das armas –como intitula o MP militar– e trata das Forças Armadas e tutela das instituições democráticas.
Toffoli pretendia ser o moderador intermediário entre a toga e a farda. Um magistrado que acompanhou o ministro, o juiz Rodrigo Capez, atualmente juiz auxiliar da presidência do CNJ, escreve sobre “as fricções entre o exercício da jurisdição constitucional e os demais poderes: autocontenção e prudência”.
No livro em homenagem a Aras, Capez dedica o primeiro capítulo ao ministro do STF: “o ministro Dias Toffoli e o papel moderador da jurisdição constitucional”.
Outro auxiliar de Toffoli que comparece é o juiz Richard Pae Kim, do TJ-SP –recém-indicado pelo STF para uma vaga no CNJ. Kim trata dos partidos políticos e suas funções.
Aras tem sido muito criticado pela omissão diante da pandemia. O ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca escreve sobre pandemia, direito e fraternidade, em artigo cuja introdução é o “eminente procurador-geral da República e professor Augusto Aras”.
Há artigos que poderiam ser escritos e publicados em qualquer coletânea –e foram dedicados a Aras.
É o caso, por exemplo, do texto de Humberto Martins, presidente do STJ, que escreve sobre a importância da segurança jurídica para o desenvolvimento da economia. Martins cita dois casos do STJ relevantes para o sistema financeiro, trata do compartilhamento de bancos de dados de cartórios e sistemas de proteção ao crédito.
Luiz Fux, presidente do STF, escreve sobre julgamentos digitais
Luís Roberto Barroso trata da corrupção –“crime violento, praticado por gente perigosa”, faz um paralelo com a Itália e –também em texto curto– aborda a reação às mudanças: o pacto oligárquico contra-ataca.
Não se espere uma avaliação sobre o autoritarismo de Aras, “dócil com os que abusam de suas prerrogativas e inclemente com os que se opõem aos desmandos”, como definiu a Folha em editorial.
Sobre a obra, o presidente da Academia Paulista de Direito, Alfredo Attié, diz que “é impressionante o que vai ocorrendo com o direito. As pessoas assumem cargos e vão fazendo circular o ‘conhecimento’ entre eles, fazendo homenagem uns aos outros.”
“Não há critério científico algum. É a anticiência, mas, sobretudo, a antidemocracia, que vai matando o direito, transformado em arte da mera conveniência”, diz Attié.
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Eis a lista dos articulistas:
Alberto Bastos Balazeiro, procurador-Geral do Trabalho
Antônio Pereira Duarte, procurador-Geral de Justiça Militar
Arnoldo Wald Filho, sócio do Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados e Conselheiro Federal da OAB desde 2010
Eroulths Cortiano Junior, professor da Faculdade de Direito da UFPR
Fabiana Costa Oliveira Barreto, procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal
Floriano de Azevedo Marques Neto, professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP
Gustavo Tepedino, advogado, Ex-diretor da Faculdade de Direito da (UERJ)
Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.
Ignacio Maria Poveda Velasco, professor titular de História do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Ives Gandra, professor Emérito das Universidades Mackenzie
João Paulo Lordelo, procurador da República
Lenio Luiz Streck, advogado, Doutor em Direito pela UFSC
Luciano Nunes Maia Freire, conselheiro do CNMP, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Luiz Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal
Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal
Manoel Jorge e Silva Neto, subprocurador-Geral do Trabalho (DF) e diretor-geral adjunto da ESMPU
Marcelo Weitzel Rabello de Souza, subprocurador-Geral de Justiça Militar e conselheiro no CNMP
Marco Aurélio Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, ex-presidente da OAB Nacional
Mauro Campbell Marques, ministro do STJ e do Tribunal Superior Eleitoral
Ophir Filgueiras Cavalcante Junior, advogado, ex-presidente da Presidente do OAB
Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, conselheiro do CNMP
Paulo Gustavo Gonet Branco, vice-procurador geral eleitoral. Ex-diretor-Geral da Escola Superior do Ministério Público da União.
Reynaldo Soares da Fonseca, ministro do Superior Tribunal de Justiça
Richard Pae Kim, juiz auxiliar da Corregedoria Geral Eleitoral (TSE)
Rodrigo Capez, juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça
Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, advogado, professor de Direito Público pelo IDP
Rodrigo Otávio Soares Pacheco, presidente do Congresso Nacional, advogado, Senador da República
Rodrigo Xavier Leonardo, advogado, professor associado de Direito Civil da UFPR
Samuel Sales Fonteles, assessor especial do procurador-geral da República, mestre em Direito pelo IDP
Sebastião Vieira Caixeta, conselheiro do CNMP
Sérgio Silveira Banhos, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, subprocurador do Distrito Federal
Valter Shuenquener de Araujo, juiz federal, secretário-Geral do CNJ e ex-conselheiro do CNMP