Conselheiro do CNJ suspende processo contra desembargador do TJ-SP
O conselheiro Rubens Canuto, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), concedeu liminar para suspender processo administrativo disciplinar contra o desembargador Carlos Henrique Abrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, até ulterior deliberação do colegiado.
Canuto entendeu que, “em princípio, houve violação do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa com a reunião das duas representações disciplinares para julgamento único”.
No último dia 25, por 22 votos a três, o Órgão Especial do TJ-SP abriu PAD contra o magistrado, acusado de alterar súmulas de julgamentos após a proclamação de resultado em sessão pública.
O presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, relator, determinara o envio à Corregedoria Nacional de Justiça de cópia do acórdão de julgamento que resultou em processo contra o presidente da 14ª Câmara de Direito Privado.
O relator no CNJ acolheu a tese de que houve “supressão de tempo para sustentação oral tão necessária para exercício do direito de defesa” e a “alegação de que houve convocação de membros do órgão julgador às vésperas do julgamento”.
Segundo Canuto, “a reunião de fatos desconexos para julgamento conjunto pode ter conotação de que os fatos são mais graves do que efetivamente são” e “mais propenso a julgamento condenatório ou a imposição de penalidade mais grave”.
O conselheiro admitiu que a intervenção do CNJ em processos disciplinares instaurados pelos tribunais é excepcional. No caso, “ao menos neste juízo sumário, verifico tratar-se de situação excepcional”, na medida em que “trata-se de PAD, em princípio, instaurado e conduzido com irregularidades que podem macular sua validade”.
No mérito, Abrão alega “a falta de justa causa para instauração do PAD, por se tratar de matéria jurisdicional, não passível de penalização disciplinar”.
Argumenta, ainda, que “a manutenção do PAD lhe causa inúmeros prejuízos, pois macula sua imagem, causando sua ridicularização no tribunal decorrente de vexame e humilhação com a tramitação de procedimento disciplinar sem justa causa em seu desfavor”.
O relator determinou solicitar informações ao TJ-SP, no prazo de 15 dias; a retirada do sigilo dos autos e a inclusão em pauta para retificação pelo Plenário.
Eis a íntegra da decisão:
Conselho Nacional de Justiça
Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0006816-90.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS HENRIQUE ABRÃO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJSP
DECISÃO
Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado por Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) no qual impugna decisão do Órgão Especial do TJSP de 25/8/2021 que determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em seu desfavor.
O PAD foi instaurado para apurar possíveis infrações disciplinares decorrentes de suposta alteração do “resultado de julgamento depois de terminada a sessão, sem transparência e sem adequada publicidade”, em 02/12/2020, na condição de Presidente da 14ª Câmara de Direito Privado. Os fatos foram veiculados em duas reclamações: a primeira foi formulada pelo Juiz Substituto de Segundo Grau Régis Bonvicino; a segunda, pela Desembargadora Lígia Bisogni.
Em resumo, alega que a instauração do PAD é nula pelos seguintes motivos:
I – irregularidade no processamento das representações, uma vez que foram dirigidas ao Presidente da Seção de Direito Privado, o qual formulou a representação à Presidência do TJSP, sem dar oportunidade ao requerente para se defender ou prestar esclarecimentos; além disso, o Presidente da Seção não seria competente para formular a representação ao Presidente do TJSP, haja vista que, nos termos do art. 45, VI, do Regimento Interno do TJSP, “a competência do Presidente [da Seção] de direito Privado, em termos de representação, dita exclusivamente problema afeto à unidade judiciária, e não qualquer outra matéria, principalmente envolvendo colega sem o devido processo legal”;
II – as duas representações foram separadas pelo presidente do TJSP, por considerar que elas tratavam de matérias distintas, mas depois foram reunidas num só julgamento, ocasião em que enviou a minuta de voto (para a abertura do PAD) somente na véspera do julgamento, o que inviabilizou a cognição adequada pelos demais membros do Órgão Especial;
III – impedimento de três desembargadores que participaram da sessão do Órgão Especial de instauração do PAD: dois revisores (Ademir Benedito e Maria Cristina) e “2º juiz” (Cláudio Levada) dos desembargadores autores das representações, o que os torna impedidos para votar no caso;
IV – impedimento de três desembargadores que participaram da sessão de julgamento de instauração do PAD por serem colegas de turma dos desembargadores representantes (Desembargador Ademir Benedito, da 21ª, e Desembargadores Cláudio Levada e Cristina Zucchi, da 34ª Câmara de Direito Privado);
V – cerceamento de defesa diante da redução do tempo para sustentação oral à metade, já que foram disponibilizados apenas 15 minutos para a sustentação oral referente às duas representações disciplinares, reunidas para julgamento único;
VI – cerceamento de defesa e prejuízos à instrução decorrente da reunião dos fatos num único PAD, uma vez que estarão limitados o número de testemunhas a serem ouvidas (no máximo 8), os prazos para manifestação e sustentação oral no futuro julgamento do mérito do PAD; além disso, a reunião dos fatos em PAD único somente seria permitido em caso de conexão ou continência entre as representações disciplinares;
VII – ausência de divulgação prévia, pela Secretaria do Órgão Especial, da previsão da composição do órgão, o que obstou sua defesa de conhecer previamente o colegiado que iria julgá-lo, prejudicando a entrega de memoriais e eventuais arguições de impedimento ou suspeição de quatro desembargadores substitutos (Desembargadores Matheus Fontes, Fábio Gouvêa, Vianna Cotrim e Campos Mello);
VIII – violação do devido processo local decorrente da substituição de julgadores nas sessões do Órgão Especial, na medida em que impossibilita que a parte tenha ciência previamente à sessão de julgamento da efetiva composição do órgão julgador.
No mérito, alega a falta de justa causa para instauração do PAD, por se tratar de matéria jurisdicional, não passível de penalização disciplinar; esclarece não ter alterado a “tira de julgamento”, uma vez que havia questionado os colegas acerca da possibilidade de converter o julgamento em diligência na própria sessão de julgamento.
Argumenta que a matéria tratada no PAD já foi “solucionada pelo colegiado” e “não apresenta viés censório, causando danos irreparáveis” à sua imagem.
Sustenta a falta de proporcionalidade e de razoabilidade na abertura do PAD, sobretudo diante da falta de prejuízos às partes do processo, até porque nenhuma das partes reclamou ou impugnou nos autos objetos das representações disciplinares.
Acrescenta que a manutenção do PAD lhe causa inúmeros prejuízos, pois macula sua imagem, causando sua ridicularização no tribunal decorrente de vexame e humilhação com a tramitação de procedimento disciplinar sem justa causa em seu desfavor.
Por fim, ressalta a natureza jurisdicional dos atos praticados e a impossibilidade de sua responsabilização na esfera administrativa.
Pede a suspensão liminar da tramitação do PAD até decisão final pelo Plenário do CNJ.
No mérito, pede a anulação da decisão que determinou a abertura do PAD ou a avocação do PAD pelo CNJ para que se tenha julgamento justo, imparcial e neutro.
É o relatório.
DECIDO.
O Regimento Interno deste Conselho estabelece, em seu artigo 25, XI, os seguintes requisitos para a concessão de medidas urgentes e acauteladoras:
- existência de fundado receio de prejuízo ou de dano irreparável;
- (ii) risco de perecimento do direito invocado.
Interpretando esse dispositivo, o Plenário do CNJ consolidou o entendimento de que a concessão da tutela de urgência exige a demonstração conjunta do fumus boni iuris, consistente na comprovação da plausibilidade do direito, e do periculum in mora, caracterizado pela possibilidade da ocorrência de danos irreparáveis, ou de difícil reparação.
Quanto à plausibilidade do direito, verifico que, diante das alegações de supostas irregularidades na tramitação e julgamento das representações disciplinares instauradas contra o magistrado, que deram ensejo à instauração do PAD contra ele em 25/8/2021, convém a suspensão do PAD até ulterior deliberação do plenário do CNJ sobre o mérito deste feito.
É que, em princípio, houve violação do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa com a reunião das duas representações disciplinares para julgamento único, com supressão de tempo para sustentação oral tão necessária para exercício do direito de defesa pelo magistrado, sobretudo diante da alegação de que houve convocação de membros do órgão julgador às vésperas do julgamento, fato que torna ainda mais importante a sustentação oral pela defesa do magistrado.
A reunião dos fatos, em tese, distintos e não conexos entre si em PAD único é prejudicial à defesa do magistrado durante a instrução do processo, uma vez que estarão limitados o número de testemunhas a serem ouvidas (no máximo 8), os prazos para manifestação e sustentação oral no futuro julgamento do mérito.
Ademais, a reunião de fatos desconexos para julgamento conjunto pode ter conotação de que os fatos são mais graves do que efetivamente são, comparando-se ao julgamento isolada e separadamente, estando mais propenso a julgamento condenatório ou a imposição de penalidade mais grave do que efetivamente pode justificar cada caso isoladamente. Assim, há que ser reavaliada a reunião dos fatos em único PAD, a fim de resguardar, por um lado, a adequada apreciação dos fatos pelo tribunal quanto à correta valoração negativa das condutas e, por outro, para afastar a desproporção na aplicação de eventual penalidade.
O periculum in mora, por outro lado, consubstancia-se no fato de que o requerente está sendo processado e julgado em procedimento eivado de irregularidades passíveis de anulação. Dessa forma, para que se tenha julgamento justo e que sejam observadas todas as garantias do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, há de ser suspensa a tramitação do PAD até deliberação final do mérito deste feito.
Convém destacar que não se desconhece o entendimento deste Conselho de que a intervenção na condução de PADs instaurados pelos tribunais é excepcional.
No caso, ao menos neste juízo sumário, verifico tratar-se de situação excepcional a autorizar a intervenção do CNJ, na medida em que trata-se de PAD, em princípio, instaurado e conduzido com irregularidades que podem macular sua validade.
Diante do exposto DEFIRO a medida liminar para determinar a suspensão do PAD instaurado em 25/8/2021 contra o requerente, até ulterior deliberação nestes autos.
Intimem-se.
Solicitem-se informações ao TJSP, no prazo de 15 dias.
Inclua-se em pauta para ratificação pelo Plenário.
Retire-se o sigilo destes autos.
Brasília, 9 de setembro de 2021.
Conselheiro RUBENS CANUTO
Relator