Projeto banaliza terrorismo, esvazia o Ministério Público e ameaça o cidadão
É preocupante, para dizer o mínimo, o projeto contra ações terroristas aprovado, nesta sexta-feira (17), pela comissão especial da Câmara Federal, por 22 votos a 7.
A proposta –que institui o Sistema Nacional Contraterrorista– é de autoria do deputado bolsonarista Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Câmara. Recebeu contribuições de integrantes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), do gabinete do Comandante da Marinha e de outras instituições.
Como a Folha registrou, o deputado Alexandre Leite (DEM-SP), membro da comissão, entende que o projeto pode levar a uma banalização do termo terrorismo.
Segundo estabelece o PL, a diferença entre um ato terrorista e crimes comuns residiria em consequências genéricas como “perigo para a vida humana” e “afetar a definição de políticas públicas”, bastando a “aparente intenção” de causá-las.
É lícito imaginar quais teriam sido os efeitos dessa proposta se a lei sugerida por Vitor Hugo estivesse em vigor em 1988, quando Bolsonaro foi acusado –e absolvido pelo Superior Tribunal Militar– de planejar a explosão de bombas em quartéis e no sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro.
Para a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), “há um risco de recrudescimento na atuação de forças de segurança, com concentração de poderes nas mãos do Presidente da República, e possibilidade de perseguição a movimentos sociais e defensores de direitos humanos”.
Os laços cada vez mais estreitos entre a Abin e o Ministério Público –na gestão do procurador-geral da República Augusto Aras– devem desestimular manifestações isoladas de membros do Parquet sobre os riscos de retrocesso no controle externo da atividade policial.
Nota técnica da APNR enfatiza que, na Constituição Federal, “foi reservado ao Ministério Público um papel especial na garantia de que a atividade policial seja exercida em respeito aos direitos fundamentais”.
“Esse papel não foi devidamente considerado no projeto de lei, que não contém qualquer previsão, menção ou ressalva acerca da atuação do Ministério Público no controle externo, apenas reservando espaço para a manifestação, como fiscal da ordem jurídica, nas hipóteses em que se mostrar necessário o acesso ao Poder Judiciário.”
“Titular privativo da promoção da ação penal, compete ao Ministério Público, na estrutura do Estado brasileiro, a provocação da atuação do Poder Judiciário, resguardada para a advocacia pública apenas as hipóteses de atuação como assistente.”
A ANPR observa que “a previsão de excludente de ilicitude (art. 13) do agente público contraterrorista, feita em uma forma geral e apriorística, traz de volta o debate acerca dos limites do uso da força, que havia sido enfrentado na Lei nº 13.694/2019”.
A título de proteger a identidade de “agentes públicos contraterroristas quando empregados nas ações contraterroristas”, o projeto abre exceções temerárias. Por exemplo, “[é] facultado ao juiz da instrução criminal referente ao ato terrorista, deixar de tomar o depoimento dos agentes públicos que participaram da captura, prisão ou eliminação dos perpetradores, quando puder formar seu convencimento pelos demais elementos probatórios constantes dos autos”.
Esse excesso de cautela, para evitar a exposição de agentes públicos, conflita com a proposta de criação da “Medalha do Mérito Contraterrorista, a ser conferida pelo presidente da República”.