‘Com a falência das prisões, cela em contêiner não seria tratamento cruel’
O Superior Tribunal de Justiça deverá julgar nesta terça-feira (5) recurso interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina, que pretende reverter decisão do tribunal estadual contra a interdição de celas em contêineres metálicos na Penitenciária de Florianópolis. (*)
O recurso especial será examinado pela Segunda Turma do STJ. O relator é o ministro Herman Benjamin.
A pedido do governo do Estado, o TJ-SC concedeu segurança e cassou decisão do juiz da Vara de Execuções Penais que determinara a transferência dos presos para outras unidades prisionais do Estado, em comarcas distintas.
O Ministério Público sustenta que “a estrutura dos contêineres não atende os requisitos mínimos básicos de uma cela”:
“[É] inconcebível a manutenção de pessoas segregadas em contêineres, expostas a absurda situação humilhante e degradante, ‘coisificadas’ como cargas a serem transportadas ou meras mercadorias, com violação de comezinhas normas e princípios básicos de ordem constitucional.”
Sistema inconstitucional
Herman Benjamin lembrou que o Supremo Tribunal Federal declarou o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro, e citou trechos de voto do então ministro Marco Aurélio:
“A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.”
O mesmo voto registra relatórios do Conselho Nacional de Justiça, segundo os quais “os presídios não possuem instalações adequadas à existência humana”.
“Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada.”
“Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo. A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual.”
Benjamin entende que, “é nesse contexto de verdadeira falência do sistema prisional, formalmente reconhecida pelo STF, que devemos avaliar a legalidade da decisão do Estado de Santa Catarina de construir celas com materiais de contêineres”.
“Apesar da utilização de celas contêineres, há camas individuais, televisores e ventiladores, e não há registros de epidemias ou infestações de insetos. A Corte estadual, após inspeção judicial, expressamente assentou que os presos não estavam em situação degradante ou humilhante, e que manifestaram incondicionalmente a intenção de permanecerem naquele local, mais próximos de suas famílias. Apontou, ainda, que os contêineres têm sido utilizados em diversos setores da sociedade, como na construção civil e no comércio.”
“Não se ignora que existe um histórico de más experiências e abusos no uso dessas estruturas. Contudo, nos estreitos limites da cognição própria do Recurso Especial, e ante o óbice da Súmula 7/STJ, não é possível afirmar que a utilização de contêineres para a construção de celas, no presente caso, representa tratamento cruel e degradante”.
Ainda o relator: “Vê-se, então, que acertadamente opinou o Parquet federal ao declarar que “é forçoso reconhecer que, para se proceder à análise de ser ou não a ala de contêineres (COT) da Penitenciária de Florianópolis/SC apropriada à ocupação digna por detentos, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório dos autos (e não apenas sua revaloração), providência peremptoriamente vedada em recurso especial.”
“Ante o exposto, não conheço do Recurso Especial”, decidiu o relator.
(*) REsp 1626583 (AgInt)