STJ vai examinar denúncia contra ex-presidente do tribunal eleitoral de Minas

A Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça) retoma, nesta quarta-feira (20),  o julgamento sobre o recebimento ou rejeição de denúncia contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, ex-presidente do Tribunal Regional  Eleitoral de Minas Gerais,  acusado de corrupção passiva. (*)

O ministro Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, deverá apresentar o voto-vista. O julgamento foi suspenso, no último dia 22 de abril, depois de mais de três horas de debates sobre questões preliminares [que tratam do desenvolvimento regular do processo, analisadas antes da resolução do mérito da causa].

Salomão afirmou desejar cotejar os fatos com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. “Preciso refletir um pouco mais para votar com mais segurança”, disse.

Como este blog revelou, a sessão presidida pelo ministro Humberto Martins foi marcada por tentativas de alguns membros da Corte de impedir que o relator, ministro Herman Benjamin, proferisse o seu voto e apresentasse aos pares as provas coletadas. Ou seja, o objetivo aparente foi evitar o recebimento da denúncia.

O advogado de Carvalho, ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, levantou questão de ordem, alegando que o tribunal deveria julgar um agravo [recurso] que discutia a competência de Benjamin para permanecer como relator da ação penal.

Antes da intervenção do advogado, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo pediu o recebimento da denúncia e, se recebida, o afastamento de Carvalho.

Segundo a subprocuradora-geral, a denúncia está amparada em provas sem vícios. São conversas captadas por interceptação autorizada pelo STJ, revelando troca de favores, vantagens indevidas para familiares do desembargador, em reciprocidade pelo apoio à nomeação da advogada Alice Birchal para o cargo de desembargadora do TJ-MG.

O relator leu trechos de conversas interceptadas e pediu que fossem apresentados na tela diálogos entre Alexandre Victor de Carvalho e o advogado Vinício Kalid Antonio. Aragão tentou interromper a reprodução da gravação, sob a alegação de que ela estaria sob sigilo. Benjamin não permitiu, pois já havia retirado o sigilo. O advogado havia pedido anteriormente a nulidade das interceptações telefônicas.

Com a transmissão durante a sessão, o relator colocou em xeque o argumento apresentado pela defesa de que a gravação resultara de encontro fortuito, nas interceptações autorizadas, de uma “conversa entre amigos, falando de amenidades”.

Nos diálogos exibidos na sessão, o advogado e o desembargador tratam da escolha de um membro do tribunal.

Ministras antecipam voto

Depois do pedido de vista de Salomão, as ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura anteciparam seus votos. Afirmaram que estudaram o processo na véspera [feriado de 21 de abril].

Andrighi citou precedentes do STJ e do Supremo. Lembrou que o regimento interno do STJ “prevê, de forma clara, que a distribuição de qualquer pedido relacionado a diligência anterior à denúncia, entre eles a interceptação de comunicação telefônica, previne a competência do relator para a ação penal”.

Disse que o efetivo prejuízo à defesa deve ser arguido em momento oportuno. Como o denunciado alegou de forma genérica e hipoteticamente a suposta incompetência do relator, entendeu que “não há motivo para acolhimento da preliminar”.

Maria Thereza também acompanhou o relator. “Para mim, a alegação de encontro fortuito, daí a suposta incompetência do relator, não se sustenta”. Ela disse que o denunciado foi investigado, fatos foram apurados. “Não vejo aqui essa alegação genérica de que tenha havido um encontro fortuito”, concluiu.

Como a Folha revelou, em reportagem de Fabio Fabrini, interceptações telefônicas da Polícia Federal revelaram que Carvalho “propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de ‘rachadinha’ para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra”.

Aragão havia alegado que a investigação que deu origem à ação tinha outro objetivo: apurar “um suposto esquema de venda de decisões por desembargadores do TJ-MG” interessados no processo de falência de uma empresa.

Em despacho de 26 de fevereiro deste ano, o relator registrou que o caso estava pronto para julgamento um ano antes, quando foi incluído pela primeira vez na pauta de julgamentos da Corte Especial.

Carvalho foi juiz auxiliar no Conselho Nacional de Justiça. Participou de inspeções em tribunais quando João Otávio de Noronha foi corregedor nacional de Justiça.

É filho do desembargador aposentado Orlando Adão de Carvalho, ex-presidente do TJ-MG. Antes de se aposentar, Orlando Adão transferiu, de seu gabinete para o do filho desembargador, a advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais, que atuou como assessora judiciária de 2005 a 2008. Há indícios de que a advogada receberia seus proventos sem trabalhar.

Pelo acordo familiar, a jovem deveria receber sem ir ao tribunal. Ela foi acusada de extorquir o ex-presidente Orlando Adão. O filho, suspeito de “rachar” parte do salário dela, foi absolvido. A defesa alegou que houve uma “permuta informal”.

Alexandre Victor de Carvalho foi defendido pelo então advogado e hoje ministro do STF Alexandre de Moraes (conselheiro do CNJ em sua primeira composição, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça).

Nota de esclarecimento

O TRE-MG esclarece que o desembargador Alexandre Victor de Carvalho deixou a Presidência do Tribunal em 18 de junho de 2021, quando se encerrou o seu mandato, que foi de um ano. Nessa data, assumiu o cargo o desembargador Marcos Lincoln dos Santos, que é o atual presidente do Regional mineiro e também exercerá a função por um ano.
Os fatos mencionados no processo que está em andamento no STJ ocorreram antes de o desembargador Alexandre Victor de Carvalho ingressar no TRE-MG como desembargador substituto, o que aconteceu em 2017, e não têm nenhuma relação com o período em que atuou na Corte Eleitoral mineira.

Obs. Texto com acréscimo de informações em 18.out.21 às 10h5

(*) AÇÃO PENAL Nº 957/MG (2014/0240346-5)

 

Erramos: o texto foi alterado

O desembargador Alexandre Victor de Carvalho é ex-presidente, não presidente do tribunal. Ele exerceu o cargo de 18 de junho de 2020 a 18 de junho de 2021