Conselheira do CNJ suspende processo contra candidato à presidência do TJ-SP

A conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), concedeu liminar para  suspender o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo contra o desembargador Carlos Henrique Abrão, até deliberação posterior nos autos.

A liminar foi deferida nesta segunda-feira (8) e publicada nesta terça-feira (9).

Em 25 de agosto último, o Órgão Especial do TJ-SP decidiu, por 22 votos a 3, instaurar processo disciplinar para apurar a acusação de que Abrão alterou o “resultado de julgamento depois de terminada a sessão, sem transparência e sem adequada publicidade”, em 02/12/2020, na condição de presidente da 14ª Câmara de Direito Privado.

Atuando como substituta regimental, a conselheira do CNJ não observou nos fatos narrados “quaisquer traços inequívocos de má-fé, desonestidade ou negligência, o que reforça a ausência de justa causa”.

Reckziegel considerou inadequada a instauração do PAD, porque “os atos imputados ao requerente não teriam ocasionado prejuízo aos jurisdicionados, bem como porque as divergências entre os membros da 14ª Câmara de Direito Privado já se encontram devidamente equacionadas”.

“Os fatos não aparentam revestir-se de relevância administrativo-disciplinar aptos a justificar a instauração de PAD”, decidiu.

A conselheira considerou “a potencial ocorrência de danos irreparáveis à imagem do requerente”, que é candidato nas eleições para a presidência do TJ-SP, a serem realizadas nesta quarta-feira (10).

No dia 24 de outubro, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, negou liminar em mandado de segurança impetrado por Abrão para suspender o PAD. Lewandowski, contudo, determinou a suspensão de recursos (embargos declaratórios) opostos no processo administrativo no TJ-SP até o exame de mérito do mandado de segurança.

Eis a íntegra da decisão:

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Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto pelo Magistrado Carlos Henrique Abrão, em que se questiona decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), de 25/8/2021, por meio da qual se determinou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em seu desfavor para apuração de suposta alteração do “resultado de julgamento depois de terminada a sessão, sem transparência e sem adequada publicidade”, em 02/12/2020, na condição de Presidente da 14ª Câmara de Direito Privado.

O requerente informa que obteve decisão liminar favorável à suspensão do PAD no PCA n. 0006816-90.2021.2.00.0000 (Rel. Conselheiro Rubens Canuto), a qual, no entanto, não foi ratificada pelo Plenário deste Conselho.

Argumenta que, com a vacância do cargo de Conselheiro membro de Tribunal Regional Federal (TRF), há probabilidade de o PAD ser julgado pelo TJSP antes da análise do mérito do referido procedimento.

Acrescenta que disputará as eleições para a presidência do TJSP, a serem realizadas em 10/11/2021, e que a tramitação do PAD causar-lhe-á prejuízos irreparáveis, pois sua imagem estará comprometida.

Destaca que, por ocasião do julgamento da ratificação da liminar, nem todas as circunstâncias alegadas foram devidamente apreciadas pelo CNJ.

Peço vênia para transcrever, para melhor compreensão do caso, trecho da petição inicial na qual o requerente resume os fatos que deram ensejo à abertura do PAD:

“Em rápidas pinceladas, o que se discute é o teor de 2 (dois) julgamentos dos quais participaram colegas Desembargadores.

O primeiro, número 10 da pauta, um recurso interno, estando na gravação que indica o resultado como ‘foi convertido em diligência para contraminuta’.

Em sede de conferência do caso, constatou-se que este recurso já estava sentenciado, com declaratórios rejeitados, no estágio de apelo, o que levou o Requerente a consultar o douto colega Dr. LAVÍNIO PASCHOALÃO, que concordou em dar por prejudicado o recurso, por ser matéria de ordem pública.

O queixoso colega RÉGIS parece não ter entendido e afirmou que o resultado fora outro e este Requerente ficara vencido; diante da enorme resiliência oferecida, este Requerente redigiu declaração de voto vencido e o v. Aresto foi assinado pelo Relator Designado, o queixoso RÉGIS.

Depois da manifestação da parte em contraminuta, eis que o Requerente lançou nova decisão monocrática, espelhado no artigo 932, III, do CPC, o que ensejou o surgimento de um segundo recurso interno, sendo a decisão primeva mantida pela Câmara por votação unânime e imposição de litigância de má-fé à recorrente, naquele processo.

Não houve qualquer alteração: este Requerente ficou vencido e, no retorno do processo, o julgamento sequer existiu, tendo sido dado por prejudicado face ao sentenciamento.

O segundo caso é ainda mais teratológico.

A Desembargadora LÍGIA, convocada para proferir seus votos, era Relatora de 2 (dois) declaratórios, e 1 (um) como vogal, noticia apenas para a serventia, ao seu bel talante – em sessão tele presencial, diga-se – que compareceria às 9 horas e 30 minutos à sessão de julgamento, um atraso de 30 minutos.

Como é de praxe, iniciada a sessão, o processo nº 22 da pauta – segunda juíza – foi votado em bloco, tendo sido rejeitados os declaratórios, por votação unânime da Turma.

A queixosa, por volta das 10 horas, por meio de sua assistente, reclamou de sua não participação, o que levou à consulta do Relator prevento, o douto Desembargador Thiago de Siqueira, e este, por escrito, aconselhou a retirada e consulta às partes para possível julgamento virtual.

Concordes os litigantes, o recurso foi julgado em janeiro de 2021, agora com a participação da Desembargadora LÍGIA e se chegou ao mesmíssimo resultado, por votação unânime, sendo declaratórios rejeitados.

Uma vez que partiu da Desembargadora LÍGIA a iniciativa de não concordar, sem a sua presença, com o julgamento, a retirada tinha um fundamento, qual seja, seu manifesto atraso, o que constou fidedignamente na tira, e nenhuma das partes impugnou, ou seus procuradores.”

O requerente ressalta que tais fatos possuem conteúdo exclusivamente jurisdicional, a ser resolvido e solucionado no âmbito da Câmara, inexistindo, por essa razão, competência administrativa conferida ao Órgão Censório.

Sustenta tratar-se de processo maquiavélico e previamente engendrado, concertado para impor a ele uma desqualificada conduta que jamais se verificou ou foi provada.

Ao final, formula o seguinte pedido:

“Posto isto, pede o Representado, respeitosamente, a Vossa Excelência, a imediata apreciação da tutela de urgência e sua concessão, estando presentes as condições para a ordem, ou seja, o juízo de verossimilhança (fumus boni iuris) – matéria jurisdicional – e o perigo da demora (periculum in mora), estando vagos 3 (três) cargos atualmente no CNJ, prejudicando inclusive o devido processo legal e o direito constitucional ao bom exercício da jurisdição administrativa.”

O feito foi distribuído ao eminente Conselheiro Sidney Madruga que, no despacho de Id 4524402, encaminhou os autos ao gabinete do Conselheiro membro de TRF, observada a substituição regimental prevista no art. 24, I, do RICNJ, para análise quanto à ocorrência de prevenção em relação do PCA n. 0006816-90.2021.2.00.0000.

É o Relatório.

DECIDO.

Preliminarmente, considerada a identidade da matéria, acolho a prevenção indicada na certidão de Id 4513688, nos termos do art. 44, §§ 4º e 5º, do RICNJ.

Verifico, por outro lado, que o presente PCA possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido do PCA n. 0006816-90.2021.2.00.0000, o que, em linha de princípio, caracteriza litispendência e inviabilizaria o prosseguimento do feito. Entretanto, minha atuação como relatora substituta limita-se ao exame de medida urgente, assim como preconiza o art. 24, I, do RICNJ, e por isso deixo de me pronunciar quanto a esse aspecto.

Ademais, em homenagem aos princípios da informalidade do processo administrativo e da fungibilidade processual, recebo a petição como novo pedido de concessão da medida de urgência.

No caso, entendo ser plenamente possível a reiteração do pedido, uma vez que, na decisão anterior, da lavra do então Conselheiro Rubens Canuto, este Conselho limitou-se a apreciar a legalidade da reunião, em um único processo, de duas imputações de infração disciplinar.

Em outras palavras, não houve qualquer manifestação deste Conselho acerca dos demais argumentos ventilados pelo requerente, dentre os quais se destaca a tese de ausência de justa causa para a instauração do PAD.

Esse cenário, na minha compreensão, autoriza a apreciação da nova provocação deduzida pelo requerente, até porque, como é cediço, as tutelas de urgência não se submetem à preclusão temporal.

Disto isso, passo à análise do pedido liminar.

O Regimento Interno deste Conselho estabelece, em seu artigo 25, XI, os seguintes requisitos para a concessão de medidas urgentes e acauteladoras: (i) existência de fundado receio de prejuízo ou de dano irreparável; (ii) risco de perecimento do direito invocado.

Interpretando esse dispositivo, o Plenário do CNJ consolidou o entendimento de que a concessão da tutela de urgência exige a demonstração conjunta do fumus boni iuris, consistente na comprovação da plausibilidade do direito, e do periculum in mora, caracterizado pela possibilidade da ocorrência de danos irreparáveis, ou de difícil reparação.

Num juízo de cognição sumária, próprio desta fase processual, é possível vislumbrar a presença de ambos os requisitos.

Quanto ao fumus boni iuris, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada por ocasião do julgamento do mérito, entendo que os elementos trazidos ao conhecimento deste Conselho, até este momento, indicam inexistir justa causa para a instauração do PAD em desfavor do requerente.

Com efeito, as imputações feitas ao Desembargador relacionam-se à condução de dois processos judiciais na condição de Presidente da 14ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Trata-se, a priori, de atos exercidos dentro dos limites da jurisdição e que, por essa razão, seriam impassíveis de reprimenda pela via disciplinar.

A jurisprudência deste Conselho é firme nesse sentido:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. ATUAÇÃO JUDICIAL EXERCIDA DENTRO DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO. NATUREZA JURISDICIONAL DA QUESTÃO. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR.

 

  1. Ausência de elementos probatórios mínimos de falta funcional praticada por membro do poder judiciário.

 

  1. Conduta exercida dentro dos limites da jurisdição, por si só, não atrai a competência administrativo-disciplinar.

 

  1. A gestão processual compete ao magistrado, que, na análise da controvérsia, desde que em consonância com o ordenamento jurídico, tem liberdade para adotar, no tempo que entender mais propício, as medidas processuais que julgar adequadas à solução do caso concreto.

 

  1. A solução de eventual equívoco jurídico incorrido pelo julgador na condução do processo ou de providência jurídica relacionada à demanda deve ser buscada na jurisdição, e não na via correcional.

Recurso administrativo improvido. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0003379-12.2019.2.00.0000 – Rel. HUMBERTO MARTINS – 52ª Sessão Virtual – julgado em 20/09/2019).

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. ATUAÇÃO JUDICIAL EXERCIDA DENTRO DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO.

AUSÊNCIA DE MOROSIDADE INJUSTIFICADA NA TRAMITAÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR.

 

1. Ausência de elementos probatórios mínimos de falta funcional praticada por membro do Poder Judiciário.

  1. O fundamento para se afirmar que a postura do magistrado na condução de demanda judicial detém relevância correcional não se submete aos critérios subjetivos e passionais das partes, mas, sim, se o comportamento está fora do limite do razoável e se revela incompreensível dentro do ambiente de racionalidade do sistema.

3. Inadmissível na via correcional a revisão de atos de natureza jurisdicional com o fim de alcançar provimento favorável aos interesses da parte no âmbito de processo judicial.

 

  1. A solução de eventual equívoco jurídico incorrido pelo julgador na condução do processo ou providência adstrita ao contexto da demanda deve ser buscada na jurisdição.

 

(…)

 

Recurso administrativo não provido. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0004372-89.2018.2.00.0000 – Rel. HUMBERTO MARTINS – 46ª Sessão Virtual – julgado em 03/05/2019).

Além disso, não observo, nos fatos narrados, quaisquer traços inequívocos de má-fé, desonestidade ou negligência, o que reforça a ausência de justa causa.

Por fim, parece-me que a instauração de PAD mostra-se também inadequada porque que os atos imputados ao requerente não teriam ocasionado prejuízo aos jurisdicionados, bem como porque as divergências entre os membros da 14ª Câmara de Direito Privado já se encontram devidamente equacionadas, de sorte que os fatos não aparentam revestir-se de relevância administrativo disciplinar aptos a justificar a instauração de PAD.

O periculum in mora, por seu turno, consubstancia-se na potencial ocorrência de danos irreparáveis à imagem do requerente, que é candidato nas eleições para a presidência do TJSP, a serem realizadas em 10/11/2021.

Diante do exposto, defiro a medida liminar para determinar a suspensão do PAD instaurado em 25/8/2021 contra o requerente, até ulterior deliberação nestes autos.

Redistribuam-se os autos ao gabinete do Conselheiro membro de TRF, mediante compensação.

Inclua-se cópia da petição inicial e desta decisão nos autos do PCA n. 0006816-90.2021.2.00.0000.

Intimem-se.

Brasília, 8 de novembro de 2021.

Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel

Substituta Regimental