Procuradores da República alertam para erosão dos órgãos de controle do Estado

ANPR/Reprodução
Frederico Vasconcelos

Sob o título “Em defesa da democracia“, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) divulgou carta com histórico dos retrocessos e tentativas “de erosão das instituições democráticas”, o que, segundo a entidade, fragiliza o funcionamento dos órgãos de controle do Estado e direitos previstos na Constituição.

O documento foi elaborado durante encontro virtual nacional, realizado de 20 de outubro a 12 de novembro.

Eis a íntegra da manifestação:

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Os Procuradores e as Procuradoras da República, reunidos de forma virtual em todo o Brasil durante o XXXVII Encontro Nacional (ENPR), ocorrido de 20 de outubro a 12 de novembro de 2021, em torno do tema “Em defesa da democracia”, apresentam esta carta à sociedade brasileira com o fim de reafirmar, neste atual momento do país, o seu compromisso com a defesa da ordem jurídica e com o regime democrático.

Ao longo de quatro semanas, diversos painéis foram realizados para debater a realidade brasileira e pensar a interação do Ministério Público Federal com os mais diversos setores da sociedade. Temas relacionados às atribuições da instituição e diálogos com o Parlamento, a imprensa, os movimentos sociais e a academia ofereceram um rico diagnóstico sobre a conjuntura em que vivemos, além de terem apontado caminhos para a construção de um país mais justo e solidário e atento ao compromisso democrático anunciado pela Constituição de 1988.

Considerando que a crise da democracia brasileira atinge o Ministério Público Federal, tanto em sua organização como nas funções institucionais que os artigos 127 e seguintes da Constituição lhe incumbiram, sintetizamos a seguir as preocupações e os anseios da nossa carreira, conforme deliberação em plenária virtual:

  1. A implementação da Constituição de 1988 consiste em um processo de construção permanente, que comportou avanços e retrocessos desde a sua promulgação, mas sempre em direção à sua efetivação;
  2. A trajetória do Ministério Público Federal (MPF) se confunde com a redemocratização do país, tendo em vista que a instituição foi depositária da esperança da sociedade brasileira na concretização dos direitos fundamentais e das políticas públicas que a Constituição de 1988 enunciou;
  3. Nesse ponto, rememore-se que a Assembleia Constituinte de 1987/1988 conferiu ao Ministério Público um papel singular na defesa da ordem jurídica e do regime democrático, a ser desempenhado em parceria e constante diálogo com a sociedade, que deve acompanhar as suas atividades e fiscalizá-las;
  4. O processo permanente de construção constitucional tem sofrido ataques nos últimos tempos por tentativas de erosão das instituições democráticas, o que fragiliza não apenas os órgãos de Estado e o seu funcionamento, mas também os próprios direitos e as políticas públicas que o texto constitucional estabelece;
  5. Diante de um cenário marcado por medidas paulatinas de desmantelamento do funcionamento das instituições de Estado, de fragilização dos órgãos de controle e de ataques a políticas públicas e direitos previstos na Constituição de 1988, a defesa enfática da democracia brasileira é uma tarefa urgente e necessária;
  6. O MPF também sofre os efeitos das tentativas de erosão das instituições democráticas, tanto do ponto de vista interno quanto externo, mediante a ocorrência de empecilhos à concretização de direitos, o aumento do risco de interferência política no órgão e ameaças ao seu desenho institucional e à sua independência;
  7. Ao longo dos últimos trinta e três anos, o MPF percorreu um caminho de fortalecimento dos seus laços com outras instituições e com a sociedade brasileira, com vistas a executar o seu papel e contribuir para efetivação do projeto constitucional. Tal interação, no entanto, pode e deve ser aperfeiçoada para garantir uma interlocução ainda mais efetiva, sobretudo com os grupos sociais que merecem a defesa permanente do órgão;
  8. Para o exercício de seu papel constitucional, o MPF deve ser independente e os seus membros – em todos os níveis da carreira – devem gozar de independência funcional, o que deve ser compatibilizado com a necessária adoção de mecanismos de unidade, transparência e controle, com escrutínio permanente da sociedade, sobretudo por parte dos grupos sociais mais vulneráveis, com o fim de aperfeiçoar a democracia no país e na instituição;
  9. A atuação independente na defesa dos direitos humanos, assim como em matéria penal, a organização e acompanhamento em processos eleitorais, o enfrentamento à corrupção e ao crime organizado, sempre na defesa da sociedade e das vítimas, sendo pessoas físicas ou jurídicas, o desafio socioambiental e a defesa de povos e comunidades tradicionais, entre outras atribuições, dependem de um órgão autônomo e comprometido com as suas funções institucionais, mas atento às suas responsabilidades e aos limites da sua atuação;
  10. A lista tríplice para a definição do Procurador-Geral da República é um componente relevante no processo de escolha do chefe da instituição para garantir a transparência e a participação dos membros e da sociedade na sua definição, por meio de debate público e aberto sobre as suas atribuições. A não observância da lista tríplice enfraquece a independência do Ministério Público Federal e submete o seu órgão máximo a constante desconfiança por parte da opinião pública quanto à fiscalização de atos do Poder Executivo;
  11. É necessário manter e fortalecer os processos democráticos internos do MPF, por meio do afastamento dos riscos de centralização e hierarquização administrativas e do aumento da transparência e do estímulo a mecanismos internos de definição dos rumos da instituição;
  12. A valorização da carreira também deve ser uma medida contínua, por meio da garantia de uma remuneração adequada ao papel desenvolvido pelos membros e da viabilização da mobilidade funcional com parâmetros transparentes e objetivos de remoções e lotações prioritárias, além de iniciativas de igualdade de gênero entre procuradoras e procuradores da República;
  13. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/2021, cujo texto substitutivo foi rejeitado pela Câmara dos Deputados em outubro, não possibilita o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle dos atos do Ministério Público nem fortalece o papel do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pois submete os órgãos a maior interferência política das maiorias ocasionais do Congresso Nacional, colocando em risco a sua própria independência;
  14. Apesar da rejeição do texto substitutivo da PEC 5/2021, a Associação Nacional dos Procuradores da República deve seguir atuando de forma propositiva com todos os setores da sociedade brasileira para a formulação de sugestões que possam realmente aperfeiçoar o funcionamento do Ministério Público, tendo como diretrizes o aprimoramento de regras sobre deveres funcionais e código de ética, a maximização da transparência e a implementação de mecanismos de diálogo social permanente;
  15. A tramitação apressada de projetos de lei que tratam de temas relevantes em diversos campos de atuação do Ministério Público Federal não tem assegurado um debate amplo e plural sobre as matérias neles tratadas, provocando a flexibilização de regimes jurídicos – muitas vezes de forma inconstitucional – e retrocessos na proteção de direitos fundamentais, como já ocorreu em temas como a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021), o licenciamento ambiental (PL 2159/2021), os direitos territoriais indígenas (PL 490/2007) e a regularização fundiária (PL 2633/2020), entre outros;
  16. Seguiremos comprometidos com o dever de acompanhar e fiscalizar o processo eleitoral em 2022 e repudiamos ameaças e críticas ao sistema de votação que sejam baseadas em suposições, alegações genéricas ou mera disseminação de notícias falsas;
  17. A Associação Nacional dos Procuradores da República deve estabelecer uma agenda permanente de atuação com medidas que contribuam para a defesa da democracia e afastem qualquer tentativa de enfraquecê-la.