Politização do Judiciário e teoria sem prática
O texto a seguir é de autoria do juiz federal Marcello Enes Figueira, do Rio de Janeiro. Foi enviado como comentário no post sobre as manifestações de entidades da advocacia e da magistratura a propósito dos desentendimentos entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. (*)
Com toda a franqueza, a imensa maioria dos brasileiros não faz a menor ideia do que se passou na sessão do STF em questão. A imensa maioria dos brasileiros não compreende como funcionam os órgãos do Poder Judiciário. É inexpressivo o número de cidadãos capazes de discutir com seriedade os efeitos dos embargos de declaração em ação penal originária na última instância, a ponto de concordar ou discordar dos ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Muitos o fazem por conta de uma indignação dispersa e por vezes irracional.
Um setor relevante da imprensa cobra celeridade no julgamento da Ação Penal 470 e qualificou o ministro Lewandowski como um opositor deste intento. E um setor da sociedade que se opõe ao PT faz coro. Todavia, o fator político que permeia o julgamento não pode e não deve ser o preponderante, de parte a parte. Quem é juiz de verdade, sabe disso. A lei deve ser aplicada, doa a quem doer, é evidente. Quem não é juiz, pode dar-se ao luxo de palpitar sem ao menos buscar abrir mão da parcialidade.
Ainda que o ministro Lewandowski tivesse a finalidade de conturbar o julgamento, o que não posso avaliar, não seria, definitivamente, o prosseguimento da sessão na próxima quarta-feira [N.R.- ontem, 21/8], sugestão dada pelo ministro Celso de Mello, fator capaz de comprometer a efetividade do julgamento. Ao menos, não me parece que terá qualquer reflexo em relação aos prazos de prescrição.
A postura do ministro Joaquim Barbosa me parece absolutamente contraproducente para o fim que pretende alcançar, a conclusão do julgamento. Todos os ministros devem ter liberdade para expressarem seus votos e o presidente, na condução dos trabalhos, deve respeitar esse pressuposto básico da independência. Se não concordar com os fundamentos do voto, pode, sim, discuti-los na sessão, mas jamais intimidar seus pares. A não ser assim, a sociedade pode discutir a conveniência de torná-lo plenipotenciário na função jurisdicional, desde que concordemos todos em que ele detém a qualidade da infalibilidade e em submetermo-nos todos a ela, especialmente uma maioria de cidadãos que pratica pequenas, médias e grandes corrupções no dia-a-dia, e que por vezes esbraveja muito contra aquelas de que não pôde participar.
Estou de acordo com muitas das conclusões do ministro Joaquim Barbosa sobre as deficiências do Poder Judiciário, e tenho experiência bastante para avaliá-las. A politização é uma delas. Não é razoável que um juiz, para ascender na carreira, tenha que estabelecer contatos com políticos.
Considero curioso, por outro lado, que o ministro não aponte a responsabilidade do STF e do STJ nessas deficiências, pois me parece que o que mais falha no sistema jurisdicional brasileiro, para muito além de uma suposta “mentalidade pró-impunidade”, de natureza subjetiva, é a uniformização da jurisprudência.
O ministro Teori Zavascki, que já ingressou no STF sob pressão daqueles setores da imprensa para não fazer nada diferente de ratificar a condenação dos réus, disse certa feita que quanto mais acórdãos o STJ produz, mais prova que o sistema está funcionando mal. Estou inteirmanete de acordo. Pergunto-me se o ministro Joaquim Barbosa já pensou no assunto. Porque ele, na função em que está investido, muito poderia fazer nesse campo.
Especificamente em matéria penal e processual penal, o STF sedimentou uma jurisprudência que me parece corresponder a uma teoria sem prática, pois os ministros do Supremo Tribunal Federal, com uma única exceção, não foram juízes de primeira instância. Pela primeira vez, no julgamento da AP 470, o STF está se deparando com algo que já é conhecido de longa data para a primeira instância. É absolutamente lógico que os juízes sigam a jurisprudência do STF. Ainda assim, muitos tentam jogar luzes sobre os fatos e a realidade, mas estes acabam obrigados a responder às corregedorias e sofrem todo tipo de turbação em seu trabalho. Falar em “mentalidade pró-impunidade” sem se deter sobre essa questão me parece superficial.
Enfim, o ministro Joaquim Barbosa pode até estar pleno de boas intenções, mas o sensacionalismo que invariavelmente atrai para as questões que suscita – e não digo que o faça propositalmente – no fundo são um mal para a democracia.
Poucos jornalistas da imprensa brasileira possuem a lucidez, a elegância e a precisão demonstradas pelo magistrado que assina este artigo. Parabéns ao articulista. Um talento a ser observado.
Cara Dra. Ana Lucia,
Bate-boca é igualitário e nivelador? Muito curioso!
Há varias formas de dizer o que se pensa, não há necessidade de bate-boca. Ele só deve acontecer em último caso e não virar a bola da vez. Eu admiro a coragem do Ministro Joaquim Barbosa, mas ele perde muito quando ataca a todos o tempo todo. Assim, ele perde a razão. Infelizmente, é necessário mais do que palavras para a reestruturação do sistema. abraço.
O magistrado que assina o artigo acima deve acreditar que só profissionais da área do direito podem entender o que se passa nas seções do STF.
Está equivocado. Há certas condutas que nenhum discurso pseudamente técnico consegue encobrir.
Sugiro a leitura do artigo do Dr.Roberto Damatta, sociológo de renome, publicado no Caderno 2 da edição do jornal O Estado de São Paulo de 21/8/2013, sob o título ” Quatro palpites sobre um bate-boca”. A bem da verdade não se trata de mero palpite, pois se trata de alguém que estuda a sociedade brasileira com afinco. Diz o sociólogo, a respeito da altercação entre o Ministro Barbosa e o Ministro Lewandowski:” O Ministro Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa. Mas, no Brasil, eis meu primeiro palpite, somos treinados a dizer o que não pensamos”. Diz mais o sociólogo: “..quando há hierarquia, não há debate, nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador.” Por isso, ele é execrado entre nós, alérgicos a toas as igualdades”
Ana Lucia, já havia lido o texto sugerido, mas agradeço mesmo assim a indicação. Aprecio algumas proposições do antropólogo Roberto da Matta, mas não me impressiona, jamais, o argumento de autoridade. Mesmo porque, particularmente em relação ao Poder Judiciário, minha experiência, de quem o conhece por dentro, é algo a considerar. Concordo com as premissas por ele estabelecidas (a aversão ao debate do “homem cordial”, no contexto da nossa sociedade estratificada), mas discordo de sua aplicabilidade no caso.
De fato, o que o Min. Joaquim Barbosa faz, com enorme frequência, é interditar o debate. Não foi exatamente isso o que aconteceu na sessão do dia 14/08? Uma vez que a coisa descambou de vez, o que eu ouvi não foram argumentos, mas o “a sessão está encerrada”. Isso não é o exercício da hierarquia (considerando que o Min. Joaquim Barbosa exerce a presidência)?! De forma semelhante, aliás, ao que ocorreu quando indagado por um jornalistas sobre assuntos que o desagradavam (os quais desconhecemos…): “vá chafurdar no lixo, rapaz”. Ou quando confrontado com a questão da cota de passagens aéreas dos ministros do STF (cuja previsão legal desconheço): “não tenho nada a declarar sobre isso”.
Agora, pergunto, especificamente em relação à sessão precocemente interrompida: com que proveito o debate foi interditado? No prosseguimento do julgamento, naturalmente que o ministro Lewandowski pôde expressar seu voto integralmente, e o debate pôde finalmente ser estabelecido, o que já poderia ter ocorrido uma semana antes, não fosse o exercício da hierarquia…
Sinceramente, eu lamento muito que com esse tipo de comportamento, refratário, sim, ao debate, o Min. Joaquim Barbosa não vá conseguir avançar muito em diversas questões nas quais tem inteira razão. Lamento, especialmente, que não tenhamos aproveitado o momento para apoiar decisivamente a “PEC dos Recursos”, as propostas sobre o fim do foro privilegiado, o fim das indicações políticas para os cargos do Poder Judiciário, entre outras causas que poderiam ter avançado caso setores da Magistratura houvessem sido chamados ao diálogo.
Finalmente, veja que eu, ao contrário, estou aqui a dizer o que penso, sobre o chefe institucional do Poder Judiciário, que integro, sem qualquer aversão aos debates, mas confiando, é claro, que posso exercer meu direito à livre manifestação do pensamento. Portanto, se você pretende imputar-me a pecha de
… a pecha de “homem cordial”.
… engana-se…
Caro Marcello,
Gostaria de parabenizá-lo pela lucidez. Se é certo que, em determinados momentos, a incisividade com que se expõe determinados argumentos pode se fazer necessária, é igualmente fato que não é a frequência dessa incisividade que atrai a verdade dos argumentos. Assim como você, concordo com muito do que o Ministro Joaquim Barbosa (politização da escolha de membros dos altos cargos do judiciário, sensação de impunidade gerada pela jurisprudência liberal, improdutividade de determinados segmentos do judiciário etc.), mas não concordo com a forma habitualmente autoritária com o que ele os expõe – malgrado isso pareça ser bem visto entre desconhecedores dos meios jurídicos.
Atenciosamente,
Dr.Marcelo,voce patinou na maionese. Filosofou e não disse nada. Pareceu Petista que amacia para moder. Perdeu uma grande oportunidade de ficar calado.
Vou pensar muito nas suas palavras antes de escrever qualquer outra coisa.
Senhor Magal,
o senhor patinou na maionese, também, não disse nada com nada. Apenas, agrediu o colega e desvalorizou os PTistas.
Até para patinar na maionese tem que ter conteúdo. att.