“Operação somos todos iguais”

Frederico Vasconcelos

Sob o título “Mau exemplo do Ministério Público”, o artigo a seguir é de autoria do advogado Paulo Teles, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiás. Foi publicado originalmente no jornal “O Popular“.

 

Entra ano e sai ano, o povo acostumou-se a ver na mídia a pose carrancuda, professoral e um tanto biliar de alguns representantes do Ministério Público.

Em recente data ocuparam generosos espaços da mídia para exigir dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, a feitura de concurso público para as funções ocupadas por comissionados, e a redução destes a um número impraticável frente às necessidades da gestão pública, segundo seus responsáveis.

Autoproclamados como únicos defensores da transparência, moralidade e impessoalidade da administração pública, viram-se repentinamente enredados nas teias da maledicência e da justa censura pública.

Pois foi nesse cenário do “faça o que eu mando…” que a população de Goiás tomou conhecimento de um polêmico projeto de lei de iniciativa do procurador-geral de Justiça, criando 258 novos cargos no âmbito do Parquet.

Destes, 127 são comissionados, 85 são efetivos, 36 são funções de confiança e dez funções de assessor. Além disso, cria uma superintendência, quatro departamentos, sete divisões e dez seções. E contrariando a afiada retórica da moralidade costumeiramente desfechada contra os demais gestores, incluídos aí governador, prefeitos, Câmaras municipais, secretários e Assembleia Legislativa, querem também os promotores novas gratificações.

Com isso, o procurador-geral, o corregedor-geral e o ouvidor-geral abiscoitam um subsídio de 30%. O subprocurador, os membros do Conselho Superior, o secretário do Colégio de procuradores, coordenador de gabinete e o chefe de gabinete fisgam um gratificação de 18%. Vale dizer que desembargador membro do Órgão Especial não recebe a gratificação pretendida pelos membros do Conselho Superior do Ministério Público, no desempenho de função similar. O coordenador de promotoria e integrante da assessoria especial da PGJ, beliscam 16% do subsídio de promotor.

Diante deste pacote da bondade ministerial, regado com o suor do contribuinte, o impacto na folha de pagamento da instituição dos fiscais da lei será o seguinte: R$ 6,72 milhões em 2013, R$ 16,34 milhões em 2014 e R$ 17,25 milhões em 2015, o que, convenhamos, não é pouca coisa.

E o princípio da impessoalidade, como fica diante da situação financeira aflitiva dos demais funcionários públicos em greve por melhorias salariais e de estrutura? E o que tem a moralidade a ver com isso, se nem sempre o que é legal pode ser considerado moral? E a transparência? Bem, pelo menos esta salta aos olhos, segundo o preceito quase-bíblico do “Mateus primeiro os meus.” É o típico caso de que na prática a teoria é outra.

Diante de tanto disparate administrativo, o relator do projeto de lei, deputado Claudio Meirelles, deixou no ar a seguinte pergunta: “Se o MP tem direito, por que não a Assembleia? O MP interfere nos Poderes, falando em moralidade, economia, zelo e não serve para eles?” Em razão disso, o deputado Mauro Rubem considerou exagerado o número de comissionados.

Reagindo ao que considera uma ação “lesiva aos princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade, concurso público, legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, a Associação dos funcionários do MP levou os fatos ao conhecimento do Conselho Nacional do Ministério Público, que exigiu do procurador-geral, explicações em 15 dias.

No âmbito do MP foi instaurado inquérito, segundo os jornais, “com base nas supostas irregularidades” do projeto. Não foi divulgado ainda o nome de batismo dessa investigação que poderia chamar-se “operação beca rôta”, “operação somos todos iguais”, “operação quem vê cara não vê coração” ou “operação me dá um dinheiro aí”.

Passando a limpo o tal projeto, consta de relatório enviado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que o Ministério Público possui “1.304 servidores efetivos, 450 comissionados e 77 funções comissionadas”. Logo, ao adicionar 127 comissionados, passará a contar com 577 comissionados contra 1.304 efetivos, ferindo assim o princípio da transparência.

Fechando o círculo, veremos que o procurador-geral do MP terá à disposição de sua caneta a livre nomeação de 730 funcionários, distribuídos entre comissionados, funções de confiança, funções de assessor, superintendência, departamento, divisões e seções.

Este é o quadro. Estes são os fatos. Vamos aguardar a versão oficial, sem esquecer que o grito das ruas vale também para os ouvidos do Ministério Público, sob pena de improbidade administrativa no caso de surdez.

Comentários

  1. A situação retratada no post, não é diferente doutras UF’s: em Mato Grosso do Sul, por exemplo, no caso especifico do MP do Trabalho, temos inúmeros funcionários requisitados.
    http://www.prt24.mpt.mp.br/site/index.php/institucional/rel_servidores
    Campo Grande/MS
    Nome Cargo
    Alaor Ferreira Cação Requisitado
    Andréa Cristina Nogueira Requisitado
    Elizabeth Aparecida Ibañéz de Araújo Requisitado
    Evelin Franco Pereira Requisitado
    Keyla Borges Tormena Requisitado
    Melissa Restel de Carvalho Silva Requisitado
    Regina Ferreira Rezende de Cerqueira Caldas Requisitado
    Valéria Aparecida Barbosa França Requisitado
    Vera Lúcia da Cunha e Silva Requisitado

    Dourados/MS
    Nome Cargo
    Maria Elizabeth do Nascimento Requisitado
    Maria Sueli Bueno Pereira Bolfe Requisitado
    Roberto Nogueira do Nascimento Requisitado

    Três Lagoas/MS
    Nome Cargo
    Karina Bruna Joaquim Arquimedes Vieira Requisitado

    Corumbá/MS
    Nome Cargo
    Edson Marques de Almeida Requisitado
    Marcela Fardin Montenegro Requisitado

  2. Um dos maiores equívocos da Assembléia Constituinte foi dotar o Ministério Público de uma autonomia que não condiz com o regime republicano, mesmo porque o MP não integra um dos poderes constitucionais de Estado. Compreende-se que os constituintes tenham desejado, após o longo período autoritário, prover a instituição de uma maior legitimidade para questionar inclusive novos casos de “bonapartismo” no período da redemocratização. Porém hoje está mais que evidente que o MP continuamente abusa daquilo que os constituintes, de boa fé, concederam. O MP é hoje a menos transparente das instituições, o que, por si só, já diz muito sobre a instituição. Quem tem medo da luz do sol é porque tem algo a ocultar (vide o MP-RJ) e o Congresso precisa urgentemente voltar os olhos para a emergência de uma instituição que usurpa a condição de Poder constitucional arvorando-se em um quarto poder longe do controle da sociedade. O favorecimento de membros do MP em governos estaduais, compondo secretariados e até mesmo conselhos de administração em empresas públicas , é algo que a sociedade necessita tomar conhecimento e o artigo é bem elucidativo quanto a este tipo de ligação “perigosa”.

    1. onde se lê…”mesmo porque o MP não integra um dos poderes constitucionais de Estado…” leia-se “não é um poder constitucional de Estado”.

      1. Se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das Leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a divisão de poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro acrescentaria ele: o que defende a sociedade e a lei – perante a Justiça, parta a ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do Estado.

        VALLADÃO, Alfredo. Op. cit., In: MARQUES, J. B. de Azevedo.Direito e Democracia – O Papel do Ministério Púlbico. São Paulo: Cortez, 1984. p.10-11.

        Os doutrinários divergem quanto ao posicionamento do Ministério Público na tripartição dos poderes. A tese dominante não é configurar a instituição como um quarto poder e sim como um órgão do Estado, independente e autônomo, com orçamento, carreira e administração próprios. Na Constituição de 1988, o MP aparece no capítulo Das funções essenciais à Justiça, ou seja, há uma ausência de vinculação funcional a qualquer dos Poderes do Estado.

        1. Senhor José Antônio.
          E a Advocacia Geral da União pode ganhar muito mais que o teto moralizador? O senhor não diz nada sobre o tema? A AGU também é independente assim como a polícia federal. Todos querem ser como os Juízes e lutam para que a magistratura seja a pior das carreiras de Estado. Só no Brasil. E o povo acha normal tudo isso. Qualquer um pode pedir, quero ver decidir com imparcialidade.

  3. Perfeita as colocações do doutor Paulo Teles. O Ministério Público tem capitaneado um projeto de poder sem bases históricas para um órgão, que sequer é um Poder, e quem vem formatando uma DITADURA do Ministério Público.

    Aproveitaram-se de um movimento legítimo popular para ENGANAR o povo e fazê-los crer que a PEC37 significaria impunidade.

    E PEC37 foi arquivada. Tudo continua como antes. E o MInistério Público, está acabando com a IMPUNIDADE ???

    Muitas mentiras contadas para fortalecer esse projeto de poder do Ministério Público.

    Está no hora de os políticos criarem regras de CONTROLE do MINISTÉRIO PÚBLICO..

    Aliás, bom salientar que o MP também se tornou órgão político.. em vários Estados membros do MP estão exercendo cargo de Secretário de Estado (APESAR DE A CONSTITUIÇÃO PROIBIR EXPRESSAMENTE)…

    E assim age o MP, investiga crimes quando a Constituição não autoriza…. e exerce funções quando a Constituição proíbe…

    Com ainda mais razão do dr. Paulo Teles… O MP segue o ditado “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”.

  4. Prezado desembargador, não confudo o Sr. com outros desembargadores nem com o Poder Judiciário brasileiro. Não confua, pois, o MP com os atos de alguns Procuradores-Gerais ou Promotores.

    O MP não se arroga posição de único defensor da moralidade pública e erário. A maior parte da imprensa e algumas ONGs também têm lutado muito. Mas só. Diga quantas ações o MP ingressa anualmente no Brasil inteiro em defesa destes valores e quantas providências nascem em outras Instituições. Depois disso, nos falamos. Ou não.

    1. Penso que o MP, como toda instituição pública, deve ser cobrada pelos atos errados que cometem. Contudo, percebo no texto uma certa arrogância contra o Ministério Público, e não contra um ato existente em determinado MP ou praticado por determinado PGJ.

      Se fôssemos elencar a quantidade de advogados presos em diversas operações, inclusive do próprio MP, a quantidade de juízes investigados por venda de sentença e a variedade de delegados presos pelos mais variados crimes, e imputássemos a responsabilidade sobre toda a instituição, não sobraria nenhuma para contar a história.

      Penso que o MP deve sim prestar contas de seus erros, contudo percebo que os comentários acima, em regra, são feitos por pessoas que possuem “birra” ódio ou raiva por alguma coisa que o MP fez que os incomodou. No Brasil é assim: quando alguém incomoda por algo positivo, todos se juntam contra ele.

      Acredito que os comentários deste post mão podem se equiparar aos políticos, que não gostam do MP por causa das investigações. Eu faço o mesmo desafio proposto pelo Artur: quantas ações o MP propõe no Brasil inteiro para a defesa dos valores constitucionais e quantas delas são julgadas no prazo em que a população deseja. Respostas no site do CNMP.

      É uma pena que o texto em questão não se limite a tratar de um fato, mas seja contra a instituição, o que não se admite tendo em vista que o seu signatário é ex-presidente do TJGO e, como tal, deveria ter aprendido a julgar o fato e não a pessoa.

        1. O problema Evandro é que o proprio MP durante anos tentou construir a imagem de ser ÚNICO órgão incólume a corrupção e do abuso de poder. Para lembrar, numa história recente tivemos um partido político com a mesma conduta, e no que resultou? Na ação penal 470 do STF. Minhas críticas no que toca ao MP cingem-se no fato de que a sociedade tem visto coisas acontecerem no MP (Tortura – caso da GAECO no PR, Corrupção e imoralidade – ex:Políticas afirmativas do MP – auxílio-alimentação, moradia e etc) e curiosamente o MP não está fazendo o dever de casa, que é o que sociedade espera dele!!!

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