“PGR fora da lista tríplice seria usurpador”

Frederico Vasconcelos

 

 

José Roberto Robalinho Cavalcanti, da associação nacional dos procuradores, diz que Temer escolherá um indicado pela carreira.

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O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Roberto Robalinho Cavalcanti, não admite a hipótese de a função do atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vir a ser exercida por alguém fora da lista tríplice que será votada pela categoria.

“O Brasil não aceitaria um retrocesso”, diz.

As inscrições para concorrer à lista tríplice serão abertas nesta segunda-feira (15).

Robalinho conhece os pré-candidatos e diz que não haverá alteração na Lava Jato, seja qual for o escolhido a partir da indicação dos colegas.

“A Operação Lava Jato é um compromisso institucional, uma investigação que todo o MPF sabe da sua importância”, diz.

O presidente da ANPR repele a afirmação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de que a Procuradoria-Geral da República “se tornou um órgão sindicalista”.

“O ministro peca por se manifestar fora dos autos de maneira como nós não julgamos adequada”, diz.

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Eis a íntegra da entrevista concedida por telefone neste domingo (14):

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Blog – O que poderá acontecer se o presidente Michel Temer escolher alguém fora da lista tríplice?

José Roberto Robalinho Cavalcanti – A gente não trabalha com essa hipótese. Hoje [domingo], no “O Estado de S. Paulo”, o presidente mais uma vez disse que vai respeitar a lista, [escolherá] um dos nomes saídos da lista.

O tempo em que se permitia uma escolha absoluta, sem passar pelo crivo da carreira, também já passou. O Brasil não aceitaria um retrocesso como esse.

O Ministério Público brasileiro tem um grau de autonomia e liberdade equivalente ao dos magistrados. O PGR não tem hierarquia sobre ninguém que está abaixo dele para determinar “faça assim, não faça assim”. A liderança interna, reconhecida, passa a ser algo essencial para a instituição ser sólida.

Se a escolha do PGR não passar pela lista tríplice, for absoluta, haverá um grau de dependência ao chefe do Poder que não seria bom para o país.

O Dr. Brindeiro [Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República de 1995 a 2003, foi nomeado por decreto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo sido reconduzido três vezes ao cargo] é um homem de bem, um homem honrado, continua na ativa. Mas ele não tinha nenhuma liderança sobre o MPF. Essa falta de liderança provocou instabilidade e problemas que ninguém quer repetir.

O presidente já me disse pessoalmente e repetiu várias vezes em público a intenção de respeitar a lista tríplice.  Não há por que considerar qualquer outra hipótese. Hipoteticamente, acho que as forças políticas não iriam admitir.

Internamente, respondendo a sua pergunta, a carreira também não iria admitir. Nós somos escravos da lei, não significa que a gente fosse para a rua fazer greve ou coisa desse tipo. Mas ninguém administra o MP sozinho.

Qualquer pessoa indicada fora da lista seria considerada pela carreira um usurpador da função, e provavelmente ficaria sozinho, por mais que a lei estivesse de seu lado.

Acho que seria uma instabilidade, a carreira não o ajudaria a administrar. O MPF cresceu e hoje precisa muito mais da participação dos colegas, nos Estados, nas câmaras…

No PSDB, dois líderes importantes como os senadores Cássio Cunha Lima (PB) e Aécio Neves (MG) têm propostas de emenda à Constituição referendando a lista tríplice.

Nós temos manifestações públicas de lideranças do PT e das forças que apoiaram o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma, que foram os primeiros a respeitar a lista. Também não apoiariam nenhum desrespeito à lista. Não há nenhuma força política relevante que defenda isso. Não vai acontecer.

 

Blog – O senhor é favorável a mais um período para o atual PGR, Rodrigo Janot?

Mesmo se eu tivesse uma posição pessoal sobre isso, não poderia revelar. A tradição da associação é não se envolver nas eleições, que são disputadas pelos seus associados. Nós somos organizadores, temos a responsabilidade de atender a posição da carreira. Não existe limitação legal nenhuma, e a ANPR também não põe nenhuma limitação para uma terceira indicação do PGR.

Isso é uma decisão que caberia, em tese, primeiro ao próprio Rodrigo Janot e, depois, à classe. Mas não há nenhum impedimento legal. Ele tem todo o direito de decidir no momento certo, até o dia 24.

 

Blog – Como vê a crítica do ministro Gilmar Mendes, em entrevista à revista “Veja”, de que a Procuradoria-Geral da República “se tornou um órgão sindical”?

Não existe nenhuma base para isso, com todo respeito ao ministro Gilmar. Ele merece todo o respeito da casa, da classe. Todos os PGRs tomaram atitudes impessoais, corretas, e foram atacados por forças políticas diversas.

Não é papel do PGR romper com nenhuma força política, mas também não é papel agradar. Por força de suas funções é inevitável que aqui e ali se desagrade essa ou aquela força política, esse ou aquele personagem, inclusive do Poder Judiciário. Todos os PGRs tomaram atitudes desassombradas, fundamentadas, justificadas, impessoais.

Repilo essa manifestação do ministro Gilmar, apesar de todo o respeito que tenho por ele. Mas ele faz manifestações públicas muitas vezes que não me parecem ser as mais bem pensadas.

Não existe nenhuma razão para ele apresentar essa frase completamente solta. A PGR tem feito, nos últimos anos, um papel que o Brasil inteiro aplaude.

O ministro Gilmar tem o respeito do país, mas peca por falar, por se manifestar fora dos autos, de maneira como nós não julgamos adequada. Não existe nenhuma base para a afirmação dele de que a PGR se tornou um órgão sindicalista.

 

Blog – Como as críticas à atuação do MPF na Lava Jato poderão influir na votação da lista tríplice?

No frigir dos ovos, levando em conta a extensão, a profundidade da Lava Jato, as críticas têm sido pontuais. Aliás, vários ministros do STF já manifestaram que a Lava Jato, de forma geral, tem sido uma investigação tocada de forma profissional, técnica. Nada que tire o valor da operação. Mesmo as críticas pontuais têm que ser contextualizadas.

É a prova cabal de que a Lava Jato não está, como nunca esteve perseguindo ninguém. Uma operação muito rica, do ponto de vista técnico.

Não existe nenhuma alteração jurisprudencial importante que tenha sido gerada pela Lava Jato, até agora, porque o sistema brasileiro é extremamente ‘garantista’. Nenhuma dessas posições foi alterada pela Lava Jato. Os fatos falam por si. O Estado aprendeu como fazer com eficiência uma investigação financeira.

A Lava Jato é uma investigação tocada institucionalmente. É importante lembrar que não existe hierarquia no MPF. A operação é tocada por diversas instâncias diferentes do MPF. A Lava Jato –em Curitiba, no Rio de Janeiro, em Brasília– absolutamente em nada depende do novo procurador-geral da República. Continuará sendo tocada pelos colegas, que têm independência funcional.

Em nenhum momento se admitiu interferência nos procuradores de primeira instância. Não haverá alteração. A Lava Jato é um compromisso institucional, uma investigação que todo o MPF sabe da sua importância.

Os pré-candidatos são pessoas experientes, conhecidas pela classe. Nenhum novo procurador-geral da República fará uma mudança de 180 graus. Eu falo isso com confiança, porque conheço as pessoas e sei que todas as lideranças vão afirmar que a Lava Jato será mantida, é claro, ressalvando o direito deles de mudar o entendimento, aqui e ali.

A Lava Jato não é uma questão fundamental, ela não difere um candidato do outro. Todos os candidatos vão manter a Lava Jato.