Entidades repudiam afirmações do general Villas Bôas

Frederico Vasconcelos

Por entender que não cabe aos militares interferir nas pautas do Judiciário, entidades da advocacia e do Ministério Público emitiram notas de repúdio às declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, feitas nesta terça-feira (3).

Na véspera do julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal, o general afirmou, em rede social, que repudia “a impunidade”, e que o Exército está ainda “atento às suas missões institucionais”.

“Em uma democracia e em um estado de direito não cabe às organizações militares ou a seus integrantes –-salvo como cidadãos na sua liberdade de expressão-– tentar interferir na agenda política do país ou nas pautas do Poder Judiciário”, afirma nota da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

“O Brasil é uma democracia há mais de 30 anos, assim tem de prosseguir, e vai prosseguir”, afirma a nota assinada pelo presidente da ANPR, procurador regional da República José Robalinho Cavalcanti.

“Não carecemos da tutela militar para que o respeito às leis, à Constituição Federal, à paz social e à democracia se dê de forma plena”, afirma nota divulgada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), assinada por Técio Lins e Silva, presidente.

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Eis a íntegra da Nota Pública da ANPR:

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vê com preocupação mensagens públicas de oficiais das Forças Armadas brasileiras que podem ser mal compreendidas e que, inadvertidamente, podem instigar manifestações de movimentos políticos de parcela da população. O Brasil é uma democracia há mais de 30 anos, assim tem de prosseguir, e vai prosseguir. Em Estados democráticos de direito, o poder civil dirige os destinos da nação e deve ser livremente exercido, sem interferências, insinuações ou, o que pareça, sequer sugestões impertinentes.

A Constituição Federal garante ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Os membros do Ministério Público lutam diuturnamente contra o crime e a impunidade. E assim o fazem com absoluto respeito às leis do país e às instituições republicanas. Em uma democracia, todas as instituições devem respeitar os seus papéis e as funções que a Constituição lhes reserva. Mesmo quando o sistema de Justiça se questiona, por meio dos órgãos do próprio Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia, o faz sabendo que sua pedra angular são os valores democráticos e deles não nos afastaremos, ainda que existam divergências que devam ser superadas pelo sentido de justiça.

Em uma democracia e em um estado de direito não cabe às organizações militares ou a seus integrantes – salvo como cidadãos na sua liberdade de expressão – tentar interferir na agenda política do país ou nas pautas do Poder Judiciário. Ou mesmo parecer que buscam interferir. As respeitáveis instituições militares nacionais respondem ao presidente da República e destinam-se à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais, inclusive do Poder Judiciário. Dúvida alguma existe acerca disso.

A ANPR valoriza e respeita a autonomia dos nossos tribunais, especialmente a do Supremo Tribunal Federal (STF), e entende ser essencial que todos velemos para que as magistraturas brasileiras tenham liberdade de exercerem suas funções constitucionais e, em particular, de julgar quaisquer causas e decidi-las de acordo com as leis do país e suas consciências.

A Associação confia que as Forças Armadas, que merecem o apreço de todos os brasileiros — inclusive pelo respeito à democracia nos últimos 30 anos —, continuarão contribuindo para a estabilidade do Estado democrático de direito, nos estritos limites estabelecidos pela Constituição de 1988. A democracia é um valor inegociável para a cidadania, o desenvolvimento nacional e as liberdades do povo, e sua manutenção é essencial para que o Brasil continue a merecer o respeito de seus pares na comunidade internacional. Recordemos a célebre frase de Lincoln: “The ballot is stronger than the bullet” (o voto é mais poderoso que um projétil).

A verdadeira força de um País está no respeito às leis, às liberdades públicas, à vontade das maiorias e aos direitos das minorias.

José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR

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Eis a íntegra da Nota de Repúdio do IAB:

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O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) repudia veementemente a manifestação do general comandante do Exército Brasileiro, lançada em tom marcial e imperativo, afirmando que a Força sob seu comando “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

Emitida às vésperas de um julgamento de grande relevância nacional pelo Supremo Tribunal Federal e assemelhando-se a uma “ordem do dia” dos plúmbeos tempos ditatoriais e, mais ainda, provinda de um oficial-general com voz de comando sobre toda a tropa, a nota revela espúrias articulações na caserna visando a interferir no teatro político-judiciário, caso a decisão que venha a ser tomada pela Suprema Corte desatenda o que o militar entende como “anseio de todos os cidadãos de bem” e “repúdio à impunidade”.

A democracia brasileira, arduamente reconquistada, está, como todas pelo mundo afora, em constante construção. Mas suas instituições políticas e judiciárias, como o Congresso Nacional e os Tribunais do País, são fortes e estão plenamente aptas a superar quaisquer crises já instaladas e as que venham a se instalar no futuro, bem como para julgar os conflitos jurídicos presentes e vindouros.

Nós, brasileiros, não carecemos da tutela militar para que o respeito às leis, à Constituição Federal, à paz social e à democracia se dê de forma plena. Somos um País livre, compomos um povo atento e não tememos possíveis conflitos ideológicos, pois dispomos de maturidade política, adquirida paulatinamente desde o ocaso da ditadura, para resolvê-los.

Dispensamos, assim, as Forças Armadas dessa tarefa, para que elas deem cobro de sua primordial missão institucional, que é a de proteger a Nação de inimigos externos. Entre nós não temos inimigos, quando muito somos adversários, sempre dispostos ao entendimento e ao consenso e sempre pela via democrática.

O IAB, reitera, como faz há quase 200 anos, que o poder político no Brasil deve ser exercido por civis, cabendo aos militares apenas cumprir as ordens do mandatário da Nação e unicamente quando instadas para tal.

Rio de Janeiro, 4 de abril de 2018.
Técio Lins e Silva
Presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros

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Sob o título “O Brasil e a Democracia sob ataque“, um grupo de 150 juristas, advogados e profissionais do Direito (*) divulgou a seguinte manifestação:

As recentes manifestações que evocam atos de força configuram clara intimidação sobre um Poder de Estado, o Supremo Tribunal Federal. Algo que não acontecia desde o fim da ditadura militar.

É urgente que os Poderes da República repudiem esse tipo de pressão.

As falas veiculadas nas últimas horas por oficiais das forças armadas dificultam um julgamento isento e colocam em xeque a democracia. Não são pessoas que estão em jogo. É a República. E a democracia.

(*) Lenio Streck; Mauro Menezes; Gisele Cittadino; Carol Proner; Celso Antônio Bandeira de Mello; Roberto Figueiredo Caldas; Tecio Lins e Silva; Celso Amorim; Juliano Breda; Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay; Tarso Genro; Marco Aurélio de Carvalho; Jose Eduardo Cardozo; Flávio Dino; Fernando Haddad; Leonardo Isaac Yarochewski; Pedro Serrano; Cezar Britto; Marcelo Nobre; Manuela D’Avila; Fernando Neisser; Alberto Zacharias Toron; Geraldo Prado; Magda Biavaschi; Amilton Bueno de Carvalho; Luiz Eduardo Soares; Márcio Sotelo Felippe; Ricardo Lodi Ribeiro; Paulo Teixeira; Márcio Augusto Paixão; Pedro Paulo Carriello; Wilson Ramos Filho; Luciano Rollo Duarte; Gisele Ricobom; Marcio Tenenbaum; Gabriela Araujo; Sergio Graziano; Maurides de Melo Ribeiro; Reinaldo Santos de Almeida; Carmen Da Costa Barros; Paula Ravanelli Losada; Margarida Lacombe; Caio Leonardo; André Karam Trindade; Cesar Pimentel; Otavio Pinto e Silva; Angelita da Rosa; Marthius Sávio Cavalcante Lobato; Eneida Desiree Salgado; Alvaro de Azevedo Gonzaga; Weida Zancaner; Anderson Bezerra Lopes; Fabiano Silva dos Santos; José Francisco Siqueira Neto; Ney Strozake; Luís Carlos Moro; Ana Amélia Camargos; Magnus Henrique de Medeiros Farkatt; Fabio Roberto Gaspar; Roberto Tardelli; Juliana Neuenschwander; Marcus Giraldes; Heitor Cornachhioni, advogado; Gabriela Guimarães Peixoto; Flávio Crocce Caetano; Eder Bomfim Rodrigues; Aline Tortelli; Luciana Worms; Thiago Bottino; Paulo Petri; Daniela Muradas; Ricardo André de Souza; Emanuel Queiroz Rangel; Rose Carla da Silva Correia; Priscila Escosteguy Kuplish; Glauco Pereira dos Santos; Edvaldo Cavedon; Gabriela Gastal; André de Felice; Claudia Zucolotto; Gabriel Machado; Marcelo Turbay; Hortensia Medina; Liliane Gabriel; Marcia Cunha Teixeira; Francisco José Calheiros Ribeiro Ferreira; Pedro Martinez; Roberto Parahyba de Arruda Pinto; Estela Aranha; Fabiano Machado Rosa; Nasser Ahmad Allan; Marcia Semer; Larissa Ramina; Marivaldo Pereira; Helio Freitas de Carvalho da Silveira; Adriana Ancona de Faria; Marcelo Cattoni; Ione Gonçalves; Guilherme Octávio Batochio; Miguel Pereira Neto; João Francisco Neto; Fábio Nóvoa; Bruno Salles Pereira Ribeiro; Ernesto Tzirulnik; Aldimar Assis; Nelio Machado; José Carlos Moreira da Silva Filho; Angélica Vieira Nery; Jader Marques; Laio Morais; Ricardo Franco Pinto; Renato Tonini; Eliane O Barros; Michel Saliba; Roberto Podval; Taiguara Libano Soares e Souza; Rafael Favetti; Hugo Leonardo; Valdete Souto Severo; Rodrigo Pacheco; Prudente José Silveira Melo; Marilda Mazzini; Martônio Mont’alverne Barreto Lima; Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach; Matheus Gallarreta Zubiaurre Lemos; Beatriz Vargas; Flavio Augusto Strauss; Thiago Breus; Lígia Zillioti de Oliveira; Ericson Crivelli; João Ricardo Dornelles; Liana Cirne Lins; Rosane Lavigne; Isabella Faustino Alves; Daniela Considera; Maria Sonia Barbosa da Silva; Ana Paula Barbosa; Maria Sonia Barbosa da Silva; Marcos Delano; Marina Lopes; Jane Medina; Daniella Vitagliano; Douglas Admiral Louzada; Monica Barroso; Rafael Raphaelli; Denis Praça; Vivian Almeida; Rômulo Carvalho; Edna Miudin Guerreiro e Roberta Fraenkel.