Manifestações de juízes nas eleições: terapia e censura prévia no CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publica no Diario da Justiça trechos dos votos proferidos, em dezembro, no julgamento de procedimentos para avaliar se houve, nas últimas eleições, atividade político-partidária vedada a magistrados.

A leitura distanciada dos fatos –e dos votos– sugere uma tentativa de justificar o provimento da Corregedoria Nacional e o previsível arquivamento das investigações preliminares, depois da expectativa criada com a apuração que mobilizou juízes, advogados e conselheiros.

Foram arquivados os procedimentos administrativos instaurados contra Ives Gandra da Silva Martins Filho, Marcelo da Costa Bretas, Marcello Ferreira de Souza Granado, Ângela Maria Catão Alves, Paulo Abiguenem Adib, Ivan Ricardo Garísio Sartori, Isabele Papafanurakis Ferreira Noronha, Kenarik Boujikian, Gervásio Protásio dos Santos Júnior, Márcia Simões da Costa e Luiz Alberto de Vargas.

As justificativas dos onze magistrados foram resumidas neste Blog [veja aqui].

No julgamento, o colegiado acompanhou o relator, corregedor Humberto Martins, cujos votos mencionam decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e podem assim ser resumidos:

“À vista das informações apresentadas pelo magistrado e com base nas razões acima, considero esclarecidos os fatos objeto do presente pedido de providências, pelo que não merece prosseguir”.

“Por fim, considerando que o Provimento 71/2018 é muito recente, recomendo a sua devida observância, a fim de evitar a instauração de futuros pedidos de providências que resultem na adoção de medidas mais enérgicas por parte desta Corregedoria Nacional de Justiça”.

O ministro Dias Toffoli veio em socorro de Martins, ao dizer que a atuação da corregedoria evitou “uma politização do Judiciário”.

Para o presidente do CNJ, o arquivamento das providências se deu somente devido ao provimento ser “muito recente”, o que não significa que manifestações do tipo passarão a ser autorizadas daqui em diante.

“Como é algo novo, nós estamos arquivando esses procedimentos, estamos arquivando até porque não houve reiteração, mas isso não significa que houve qualquer tipo de conivência”, disse Toffoli.

A atuação do CNJ só não terminou numa grande terapia porque um conselheiro –mesmo acompanhando Martins em voto convergente– vislumbrou censura prévia no provimento da corregedoria.

Luciano Frota, juiz do Trabalho indicado ao CNJ pelo Tribunal Superior do Trabalho, disse ter uma compreensão diferente, e entendeu “pertinente resguardá-la até que haja decisão definitiva colegiada de nossa Corte Suprema”.

Segundo ele, “não obstante a natureza do cargo que ocupa, o magistrado é, acima de tudo, cidadão, e, como tal, tem igual direito de participar da vida política do seu país e de expor o seu pensamento, observando, evidentemente, os primados éticos que regem uma comunidade”.

“Não se revela, por certo, recomendável que juízes eleitorais manifestem as suas opções político-partidárias publicamente, pois lidam no seu ofício com o litígio de partidos políticos, e essa conduta pública traria desconforto e suscitaria dúvidas quanto à isenção do ato de julgar, ou seja, poderia haver, nesse caso específico, o comprometimento da imparcialidade que é elemento essencial para o exercício da jurisdição. Mas quanto aos magistrados não vinculados à Justiça Eleitoral, não vislumbro razão que justifique o cerceamento prévio de sua liberdade de manifestação política”, disse Frota.

“O juiz não pode dedicar-se à atividade político-partidária, ou seja, não pode filiar-se a partidos políticos, não pode engajar-se em militância partidária (que é diferente de militância política em favor de uma causa) e não pode concorrer a cargos públicos eletivos. Mas isso não significa que deva alienar-se em relação à vida política de seu país, que deva omitir-se de opinar, ainda que publicamente, sobre esse ou aquele candidato ou partido, enfim, que deva sufocar o exercício pleno de sua cidadania”.

“A edição de ato normativo que limita a livre manifestação do pensamento, definindo, a priori, as condutas que representam a suposta extrapolação desse direito, configura censura prévia, que não tem, a meu juízo, guarida constitucional”, concluiu o conselheiro.