Data venia, caixa dois é crime relevante
Em várias ocasiões, este Blog registrou manifestações de leitores e articulistas condenando a relativização do caixa dois.
Ao justificar o fatiamento do pacote anticrime proposto pelo governo de Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou nesta terça-feira (19) ter atendido à queixa de alguns políticos de que “o caixa dois é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos”.
“Fomos sensíveis”, afirmou o ministro, dizendo que as reclamações eram razoáveis, revela Estelita Hass Carazzai, em reportagem na Folha.
Segundo a jornalista, em seus tempos de juiz, Moro, não poupava palavras ao defender a criminalização do caixa dois. Trapaça, “especialmente reprovável” e “sem justificativa ética” foram algumas das expressões que o magistrado que conduzia a Operação Lava Jato usou para se referir ao uso de recursos não declarados em campanha.
Em 2012, no julgamento do mensalão, a defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares sustentou que “ele operou caixa dois, era ilícito, mas não corrompeu ninguém”.
Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia reagiu: “Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga com toda tranquilidade que ‘ora, houve caixa dois’. Caixa dois é crime. Caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira”.
“Dizer isso perante o Supremo Tribunal Federal me parece realmente grave porque fica parecendo que isso pode ser praticado e confessado e tudo bem”, afirmou a ministra.
Em outubro de 2016, o Blog reproduziu trechos de artigo do jornalista Bernardo Mello Franco, sob o título “A anistia vem a galope“, publicado na Folha. A coluna tratava da articulação na Câmara Federal para driblar o Ministério Público e aprovar uma anistia geral ao caixa dois.
“Se der certo, será um gol de placa do sistema político ameaçado pela Lava Jato”, diz o colunista.
“Os parlamentares prometem aprovar a criminalização do caixa dois, uma das chamadas dez medidas contra a corrupção. Parece boa notícia, mas há um detalhe. Ao proibir o trambique no futuro, a Câmara quer perdoar quem o praticou no passado.”
Segundo o jornalista, “o novo acordão para ‘estancar a sangria’ tem o aval do governo Temer e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Franco citou que, em entrevista a Mario Sergio Conti, na GloboNews, Maia havia repetido uma tese dos réus do mensalão: caixa dois e corrupção seriam “coisas distintas”.
No mês seguinte, o desembargador Newton Fabrício, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, alertava neste espaço para a extensão da anistia ao caixa dois.
“O Brasil não pode compactuar com esse projeto de anistia, curiosamente surgido na calada da noite, após a divulgação de que 200 políticos estariam sendo apontados na delação premiada dos executivos da Odebrecht”, afirmou o magistrado gaúcho.
Em 2017, também em artigo neste Blog, o advogado e procurador regional da República aposentado Rogério Tadeu Romano comentou declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao tratar do caixa dois em defesa do PSDB e do senador Aécio Neves, suspeito de receber recursos da Odebrecht na campanha de 2014 que não foram declarados oficialmente.
Diz o artigo de Romano: “Em nota divulgada à imprensa, FHC relativizou o uso do caixa 2, dizendo que há diferença entre o dinheiro para financiar campanhas políticas e o recebido pelos partidos por fora para enriquecimento pessoal. Data venia, presidente, caixa dois é crime e não pode ser relativizado”.
Finalmente, em março de 2017, este site registrou as posições divergentes dos ministros Gilmar Mendes e Cármen Lucia sobre o assunto.
“Enquanto o Legislativo trama uma anistia ao expediente ilícito, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Supremo Tribunal Federal, diz que o caixa 2 ‘tem que ser desmistificado'”.
Na semana seguinte, a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, afirmou que a anistia ao caixa 2 “não é bem-vinda”.
“A apuração dos crimes está em curso, qualquer tentativa de obstaculizar medidas punitivas que são necessárias no caso de cometimento de crime não é bem-vinda evidentemente à sociedade, menos ainda à comunidade jurídica”, afirmou a ministra, em entrevista à CBN.