CNJ anulou censura a desembargadora do tribunal paulista

A absolvição do juiz Roberto Corcioli Filho pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que rejeitou a censura aplicada ao juiz sob a acusação de proferir decisões com “viés político”, foi precedida pela anulação de censura do Tribunal de Justiça de São Paulo à desembargadora aposentada Kenarik Boujikian.

Boujikian e Corcioli são membros da AJD (Associação Juízes para a Democracia).

Este é o terceiro post de uma série sobre o tema. (*)

Em 2017, o CNJ anulou –por 10 votos a 1– a punição imposta à desembargadora, ex-presidente da AJD. Ela foi acusada de violar o princípio da colegialidade, por assinar decisões monocráticas libertando réus que estavam presos preventivamente por mais tempo do que a pena fixada.

Na ocasião, o então corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, afirmou: “O Tribunal de Justiça de São Paulo agiu mal. Não agiu bem. E por que não agiu bem? Porque ele arruma uma desculpa estapafúrdia para censurar ao fundo e ao cabo a decisão meritória da juíza”.

A magistrada se sentiu discriminada no tribunal paulista. “O mundo penal ainda é dos homens”, Boujikian afirmou em 2016. Ela sustentou ter sido alvo de machismo no tribunal paulista.

Quando Boujikian foi promovida a desembargadora por merecimento, próximo da aposentadoria, o advogado criminal Alberto Zacharias Toron comentou: “Enfim, o TJ-SP mostrou sua grandeza!”

A anulação da censura a Corcioli associa o CNJ à absolvição de Kenarik, o que pode alimentar a imagem de uma certa aversão do conselho ao TJ-SP.

Sobre as censuras aplicadas a Boujikian e Corcioli, o juiz de direito do TJ-SP Marcelo Semer, também membro da AJD, publicou artigo no site Conjur, em novembro último.

No texto, Semer afirma que “se o juiz deve decidir por princípios e não por políticas — até porque não foi eleito para isso — de diminutíssima valia, a não ser do ponto de vista retórico, é a análise das possíveis consequências de uma determinada decisão”.

Semer entende que “pautar a decisão criminal por certas políticas, como proposto, representaria a imersão naquilo que se acostumou a chamar de ativismo. Ou judicialização da política, impensável, sobretudo, na área penal ou da conexa infância e juventude infracional”.

Em agosto de 2018, seis entidades acompanharam a AJD e divulgaram nota pública repudiando a censura ao juiz do TJ-SP: Artigo 19, Conectas, IBCCrim, JUSDH, Núcleo Especializado de Situação Carcerária, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, e Terra de Direitos.

Os signatários sustentaram que houve “componente ideológico” na sanção, quando substituiu-se a via recursal adequada “pelo intimidatório correcional”.

Argumentaram que o juiz foi “punido por controlar, com rigor, a atividade punitiva do Estado”.

Segundo as entidades, as decisões do juiz “seguem o sentido contrário das atuais políticas públicas responsáveis pelo vigente aprisionamento em massa”.

Para Roberto Corcioli Filho, “pelo fato de o Direito não ser matemático, há disputas interpretativas, tanto das normas quanto dos próprios fatos a serem avaliados, e é aí que entram como fatores de influência as diversas visões de mundo, as experiências, a formação humana de cada um”.

“Em essência, há aqueles que acreditam que os fins justificam os meios, e outros que reconhecem a complexidade dos fenômenos sociais e a importância de se respeitarem as regras do jogo, o Estado Democrático de Direito”, diz Corcioli.

Origens do caso

Em 2014, o Blog registrou que Corcioli recorreu ao CNJ –contra o TJ-SP– por ter sido alterada sua designação para atuar no Fórum Criminal Central de São Paulo, em razão de representação contra ele oferecida à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo por 17 promotores de Justiça.

Juízes que acompanharam a disputa dizem que Corcioli provocou e irritou promotores, o que explicaria as representações que o tribunal recebeu.

O juiz alegou que foi afastado da área criminal por “ato absolutamente ilegal” tomado pelo então presidente do TJ-SP, desembargador Ivan Sartori, a pedido do então corregedor-geral, desembargador José Renato Nalini.

O Órgão Especial do TJ-SP determinou –por unanimidade– o arquivamento da representação dos promotores. Corcioli pediu para voltar a ser indicado para a área criminal, mas disse, na ocasião, que teve como resposta “apenas um significativo silêncio”.

O CNJ determinou: a) que o nome do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho fosse recolocado “na lista de designações de Juízes Auxiliares da Capital para Varas Criminais e/ou Infracionais na Comarca de São Paulo; b) que o tribunal estabelecesse regras e critérios objetivos para as designações dos juízes auxiliares.

O Estado de São Paulo requereu liminar, em favor do TJ-SP, impugnando apenas a suspensão do prazo de 60 dias para o estabelecimento dessas regras.

O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, observou que a liminar concedida “extrapolou o objeto do pedido contido na inicial” (…) “afetando diretamente as possibilidades de designação do magistrado, que continua impedido de atuar nas áreas criminal e da infância infracional”.

A liminar foi concedida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski durante o recesso do Judiciário.

Apoio de juristas

A defesa de Corcioli enviou ao CNJ depoimentos a favor de Corcioli prestados por Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, e por outros juristas.

“(…) Não tenho qualquer dúvida em afirmar que a proposta de punição do juiz Roberto Corcioli, aqui examinada, não tem a mínima consistência jurídica”, afirmou Dallari.

O ex-presidente do TJ-SP, Celso Luiz Limongi, morto em setembro de 2018, afirmou que “a função do juiz criminal não é a de um vingador implacável. (…)”

“Fico espantado, com todas as vênias do Tribunal de Justiça, que amo intransitivamente, e por isso dói-me com mais intensidade, em ver que o juiz Roberto Luiz Corcioli Filho foi punido, em face de representação assinada por 23 promotores, acusando-o de conceder, com extrema liberalidade, a liberdade para presos”.

Limongi foi presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados e membro fundador da AJD (Associação Juízes para a Democracia).

Também opinaram pela improcedência das acusações os seguintes juristas e professores: Fernando Dias Menezes de Almeida, Sérgio Salomão Shecaira, Calixto Salomão Filho, Brisa Lopes de Mello Ferrão, Conrado Hübner Mendes, Rafael Mafei Rabelo Queiroz, Luiz Flávio Gomes e Geraldo Prado.

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) solicitou a admissão como parte interessada no pedido de revisão disciplinar requerido por Corcioli.

“Ir contra os princípios da independência e da imunidade da magistratura é ferir não só o magistrado ora requerente, mas também toda a magistratura”, afirmou a AMB.

(*) Veja também:

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